PODIA DIZER-TE
Podia dizer-te como te vejo,
mas aquilo que os meus olhos vêem é pouco para dizer-te.
Vejo-te, é certo,
vejo-te como outros captaram nos olhos aquilo que decerto os meus também vêem nas vistas.
Ver é uma coisa para quem tem vistas
e não apenas para quem tem olhos.
E eu tenho vistas.
Às vezes são ouvidos, as vistas,
outras são mãos, ou esse odor que o meu corpo respira quando passas.
Ver-te, ver-te, ver-te...
só de te ver em verde meu coração se transformaria
ou se tu fosses uma rosa, uma rosa vermelha como o sangue
que se agarra aos espinhos.
Mas a vida é outra coisa, a vida é para quem tem olhos
e eu só tenho estas vistas.
Estas vistas cansadas dos escolhos dos abismos dos outros.
Vistas cansadas de te seguir na corrente onde mergulhaste.
Vistas exaustas por ter ficado ali, parado, a ver
e não a olhar.
Para onde,
para que mar?
Estou deitado na relva do jardim.
Ainda florescem rosas
e eu descanso a vista.
José Miguel de Oliveira
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