O NATAL NÃO É UM SÓ...
O Natal não é um só: um é o Natal do egoísmo e da tirania, outro é o
Natal da abnegação e da diaconia; um é o Natal do ódio e do
ressentimento, outro é o Natal do perdão e da reconciliação; um é o
Natal da inveja e da competição, outro é o Natal da partilha e da
comunhão; um é o Natal da mansão, outro é o Natal do casebre; um é o
Natal do prazer e do amor, outro é o Natal do abuso e da infidelidade;
um é o Natal no templo com orquestra e coral, outro é o Natal das
prisões e dos hospitais; um é o Natal do shopping e do papai noel, outro
é o Natal do presépio e do menino Jesus. O Natal não é um só: um é o Natal de José, outro é o Natal de Maria;
um é o Natal de Herodes, outro é o Natal de Simeão; um é o Natal dos
reis magos, outro é o Natal dos pastores no campo; um é o Natal do anjo
mensageiro, outro é o Natal dos anjos que cantam no céu; um é o Natal do
menino Jesus, outro é o Natal do pai dele.
O Natal de José é o instante sublime quando toma no colo o Messias. A
partir daquela primeira noite jamais conseguiria dormir em paz. Sob
seus olhos e sua responsabilidade cresceria aquele de quem falaram a Lei
e os profetas. Era de José a tarefa de ensinar ao menino a respeito de
sua verdadeira identidade. Enquanto recitava o profeta Isaías: “Porque
brotará um rebento do tronco de Jessé, e das suas raízes um renovo
frutificará. E repousará sobre ele o Espírito do SENHOR, o espírito de
sabedoria e de entendimento, o espírito de conselho e de fortaleza, o
espírito de conhecimento e de temor do SENHOR. E deleitar-se-á no temor
do SENHOR; e não julgará segundo a vista dos seus olhos, nem repreenderá
segundo o ouvir dos seus ouvidos. Mas julgará com justiça aos pobres, e
repreenderá com eqüidade aos mansos da terra; e ferirá a terra com a
vara de sua boca, e com o sopro dos seus lábios matará ao ímpio, e a
justiça será o cinto dos seus lombos, e a fidelidade o cinto dos seus
rins”, dizia ao garoto, “esse aí é você, meu filho”. O Natal de Maria é um canto de redenção: “A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador”. O Magnificat
anuncia a redenção de geração em geração, obra das mãos do Deus que
visita e abençoa os humildes e pobres, mas humilha e despede de mãos
vazias os poderosos e prepotentes. Uma redenção que transborda a
subjetividade do foro íntimo e se esparrama pelo chão das sociedades
injustas, atravessando o tempo e fazendo livres nossos filhos e os
filhos dos nossos filhos.
O Natal do anjo mensageiro é proclamação de boas notícias a todos:
José, Maria, pastores no campo e todos os que inclinarem seu ouvido e
coração para ouvir. Menos para o menino Jesus. A boa notícia de Deus aos
homens a quem quer bem, é também vaticínio de morte para o menino na
manjedoura. Ao divulgar que na cidade de Davi nasceu o Salvador, que é
Cristo, o Senhor, o anjo mensageiro desperta a ira de Roma, seus
governantes e imperadores. Somente César é Salvador, filho de Deus e
Senhor. Mas de agora em diante estaria presente no mundo aquele cujo
reino jamais terá fim. A pedra profetizada por Daniel, solta pela mão de
Deus para esmagar todos os reinos deste mundo já rolava na história, e
atendia pelo nome de Jesus. As espadas romanas derramaram sangue
inocente (os impérios deste mundo sempre derramam sangue inocente), mas o
Rei dos reis, o Senhor dos senhores, sobreviveu para desfazer a grande
mentira: a Pax nunca foi romana.
O Natal dos anjos cantores definiu que Deus somente é glorificado nos
céus quando há paz na terra entre os homens. Desde então, Natal é
necessariamente compromisso com a justiça, convocação para a
reconciliação, outorga de perdão. Os pastores no campo deixaram seus
rebanhos, que guardavam do mal, movidos pelo ímpeto da curiosidade e
pelo impulso do maravilhamento, e quem sabe, guiados pela intuição de
que naquela noite em Belém o mal estava acuado, reforçando as frágeis
trancas das portas de seus territórios, sabendo já que seus dias eram
contados. Havia irrompido o tempo quando o lobo e o cordeiro dormiriam
juntos, e nenhum espírito tenebroso ousaria ferir a noite do nascimento
do príncipe da Paz.
E o Natal dos três reis Magos? O Natal dos três (que não eram
necessariamente três) reis (que não eram reis) magos (que não eram
magos) foi tempo de adoração. Estudiosos dos corpos celestiais, viram a
estrela no Oriente, e foram em busca do rei dos judeus, para o adorar.
Trouxeram consigo ouro, incenso e mirra, pois sabiam que adorar é
servir, doar, presentear. O menino que recebeu presentes enquanto na
manjedoura distribuiu entre os pobres as suas riquezas e nos ensinou:
quem deseja me dar um presente que o faça a um dos meus pequeninos.
Assim, até hoje, os adoradores de Jesus se espalham no mundo
distribuindo riquezas, abençoando os que sofrem, suprindo os pobres,
promovendo a justiça e sinalizando a paz. O Natal não é um só. O menino Jesus também teve seu Natal. E assim o
explicou: Eu vim para que tenham vida; eu vim buscar e salvar o que se
havia perdido; eu não vim para ser servido, mas para servir e dar a
minha vida em resgate de muitos. O Jesus do primeiro Natal até hoje
segue seu caminho batendo em todas as portas e dizendo “quem ouvir a
minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa, cearei com ele, e ele
comigo”.
Pr. Ed René Kivitz
Nenhum comentário:
Postar um comentário