sábado, 27 de novembro de 2010



DA SAUDADE

A natureza da saudade é ambígua:
associa sentimentos de solidão e
tristeza – mas, iluminada pela memória,
ganha contorno e expressão de felicidade.

Quando Garrett a definiu como “delicioso
pungir de acerbo espinho”,
estava realizando a fusão desses dois
aspectos opostos na fórmula feliz de
um verso romântico.

Em geral, vê-se na saudade o
sentimento de separação e distância
daquilo que se ama e não se tem.
Mas todos os instantes da nossa vida
não vão sendo perda, separação e
distância?

O nosso presente, logo que alcança
o futuro, já o transforma em passado.
A vida é constante perder. A vida é,
pois, uma constante saudade.

Há uma saudade queixosa: a que
desejaria reter, fixar, possuir.
Há uma saudade sábia, que deixa as
coisas passarem , como se não
passassem. Livrando-as do tempo,
salvando a sua essência da eternidade.

É a única maneira, aliás, de lhes dar
permanência: imortalizá-las em amor.

O verdadeiro amor é, paradoxalmente,
uma saudade constante, sem egoísmo nenhum.


Cecília Meireles
1901-1964
Rio de Janeiro

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