terça-feira, 30 de março de 2010


TU ÉS A ESPERANÇA


Tu és a esperança, a madrugada.
Nasceste nas tardes de setembro
quando a luz é perfeita e mais doirada,
e há uma fonte crescendo no silêncio
da boca mais sombria e mais fechada.

Para ti criei palavras sem sentido,
inventei brumas, lagos densos,
e deixei no ar braços suspensos
ao encontro da luz que anda contigo.

Tu és a esperança onde deponho
meus versos que não podem ser mais nada.
Esperança minha, onde meus olhos bebem
fundo, como quem bebe a madrugada.


Eugénio de Andrade,
In: 'As Mãos e os Frutos'

segunda-feira, 29 de março de 2010

O REENCONTRO DA INFÂNCIA


O sol nasce pra todos, diz o provérbio. Não é uma verdade irrefutável, mas todos fazemos de conta que é. Não custa nada a criatura - acordar, cada dia, com a esperança de que vai chover na sua horta.

Na hora de fazer o balanço do ano - que passou, a voz mais ouvida é a do alivio: 2003 já foi tarde! Poucos rendem ao tempo recém-findo uma palavra de gratidão pelas coisas que poderiam ter sido e que acabaram sendo.

No meu caso pessoal, não me lembro de outro ano mais generoso na minha vida adulta. Não ganhei no bicho, sequer tentei a mega-sena, não cai nas graças de ninguém. Só não diria que passei em brancas nuvens porque a imagem não faria justiça ao doce enlevo de tantos vôos, meu aviãozinho e eu, a triscar estratos de algodão pelo céu de tantas rotas.

Foi um ano de reencontro. Viajei ao Acre, minha terra querida. Revi - a gameleira secular em cuja sombra afetuosa transcorreu a parte melhor de minha infância.

Um dia, eu era o próprio Leônidas, o "homem de borracha" fazendo gol atrás de gol, na Copa de 58. Só não fazia gol de bicicleta pra ninguém achar que estava exagerando. No dia seguinte, eu trocava de pele. Vestia a túnica de general ateniense e, sob o mesmo nome de Leônidas, estava derrotando o exército persa, nas batalhas do desfiladeiro das Termópilas.

Passei horas de uma madrugada, em Rio Branco, a relembrar a voz gasguita do poeta Juvenal Antunes, na frente do Hotel Madrid, declamando, aos berros, seus poemas de amor: "Perdoa, Laura, o meu atevimento/Lê esta carta, rasga e solta ao vento."

Tinha eu, se tanto, dez anos de idade. Matava aula pra ficar ouvindo o canto de um poeta enfeitiçado, a quem devo a descoberta de duas paixões. Venerei Laura em cada verso que o bardo recitava à beira do rio Acre. Amor sem corpo, abstração de um poeta de água doce.

A segunda descoberta foi o meu súbito amor pela palavra. Juvenal Antunes apurou meu ouvido pra magia da palavra. Ele alternava cânticos de êxtase e de irreverências: "Bendita sejas tu, preguiça amada/Que não consentes que eu me ocupe em nada."

Aprendi com ele que a preguiça é um nobre sentimento que habita o coração dos poetas. Preguiça, teu verdadeiro nome é contemplação.

Na viagem que fiz ao Acre, fiquei amigo do governador Jorge Vianna, um moço que está fazendo na minha terra uma revolução sem armas. Sublimação da epopéia acreana em que uma geração de seringueiros anônimos morreu na floresta pela cívica teimosia de ser cidadão brasileiro. Não é uma simples retórica de poeta o verso do hino acreano: "Fulge um astro na nossa bandeira/que foi tinto com sangue de herois." Correu sangue, de fato, nos combates de ferro e fogo contra o exército regular da Bolívia.

O neologismo florestania, em lugar de cidadania, é uma bolação de Jorge Vianna, inspirada, certamente, nos ideais de Chico Mendes, cujo martírio converteu-se em bandeira da floresta.

Visitei Xapuri, cidade em que nasci. Reencontrei, confluentes, em doce comunhão, os rios Acre e Xapuri, cúmplices ambos de um remoto devaneio que os anos acabam de me trazer de volta, íntegros. Águas silenciosas que nunca choraram por mim. Nelas, nada mudou. A fluidez é a mesma; mesmo é o remanso, em cujo vagaroso rodeio, até hoje, voltejam as minhas essências.

Louvado seja 2003, o ano que me devolveu a minha infância.


Armando Nogueira



Nasceu em Xapuri, no Acre, em 1927. Com 17 anos foi para o Rio de Janeiro. Formou-se na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. Em 1950, começou a carreira de jornalista no Diário Carioca. Foi repórter, redator e colunista. Trabalhou na Revista Manchete, como redator-principal, na gestão de Otto Lara Resende. Em O Cruzeiro, foi repórter fotográfico de 1957 a 59. Em 1959, entrou para o "Jornal do Brasil", onde foi redator e colunista. Lá, de 1961 a 1973, assinou a coluna diária "Na Grande Área". Como repórter, fez a cobertura de todas as Copas do Mundo a partir de 1954. Começou no telejornalismo em 1959, na antiga TV-Rio, canal 13. De 1966 a 1990 foi diretor da Central Globo de Jornalismo da Rede Globo de Televisão, onde dirigia também a Divisão de Esportes. Participa da cobertura dos Jogos Olímpicos  desde 1980, em Moscou.


domingo, 28 de março de 2010


PRESENÇA 

É preciso que a saudade,
desenhe tuas linhas perfeitas.
Teu perfil exato e que apenas levemente,
o vento das horas ponha um frêmito em teus cabelos...
É preciso que a tua ausência,
trescale sutilmente no ar, a trevo machucado,
as folhas de alecrim ,
desde há muito guardadas,
não se sabe por quem, em algum móvel antigo.
Mas é preciso também,
que seja como abrir uma janela,
e respirar-te, azul e luminosa no ar.
É preciso a saudade para eu te sentir em mim,
a presença misteriosa da vida.
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te!!

 
Mário Quintana

sexta-feira, 26 de março de 2010



CANÇÃO DE OUTONO

Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.

De que serviu tecer flores
pelas areias do chão,
se havia gente dormindo
sobre o própro coração?

E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando áqueles
que não se levantarão...

Tu és a folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
Certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...

Cecília Meireles

terça-feira, 23 de março de 2010

EU TE AMO

Sim eu te amo; porém nunca
saberás do meu amor;
a minha canção singela
traiçoeira não revela
o prêmio santo que anela
o sofrer do trovador!

Sim, eu te amo; porém nunca
dos lábios meus saberás,
que é fundo como a desgraça,
que o pranto não adelgaça,
leve, qual sombra que passa,
ou como um sonho fugaz!

Aos meus lábios, aos meus olhos
do silêncio imponho a lei;
mas lá onde a dor se esquece,
onde a luz nunca falece,
onde o prazer sempre cresce,
lá saberás se te amei!

E então dirás: "Objeto
fui de santo e puro amor:
A sua canção singela,
tudo agora me revela;
já sei o prêmio que anela
o sofrer do trovador.

Amou-me como se ama a luz querida,
como se ama o silêncio, os sons, os céus,
qual se amam cores e perfumes e vida,
os pais e a pátria, e a virtude e a Deus!"

Antônio Gonçalves Dias

domingo, 21 de março de 2010




QUERO

Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.

Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?

Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao dizer: Eu te amo,
dementes
apagas
teu amor por mim.

Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.

No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amaste antes.

Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.

Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 19 de março de 2010

À VOCÊ

Eu desejo
que sua estrada
se apresente livre de pedras;
que o sol ilumine seu caminho,
sem queimar sua face;
que a chuva caia leve
sem encharcar,
por onde você passar;
que a semente brote
em seus campos,
com promessa de fartura;
que a esperança
seja sua companheira de caminhada
e que você sempre tenha
um sonho a seguir.
Porque
só os que sonham
conhecem o segredo
da magia de existir!


Wadad Naief Kattar Camargo

quarta-feira, 17 de março de 2010


AMOR

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe,
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...

Fernando Pessoa

terça-feira, 16 de março de 2010

ABANDONO

Não digas nada, deixa apenas
as mãos entregues ao calor das minhas
e olha-me nos olhos como quando
nos fitávamos, pássaros surpresos
do próprio voo, adolescente e luminoso.
Ambos sabemos desde há muito: a vida
é uma longa paciência e não há forma
de viver ao abandono dos que amamos.
Sobrevivamos, pois, no fio dos dias
que nos restam ainda, se é que o tempo
nos favorece como dantes.
E mantenhamos as mãos coladas,
olhares fitos um no outro, meu amor.
 
Torquato da Luz

segunda-feira, 15 de março de 2010


SÓ TU

Dos lábios que me beijaram,
Dos braços que me abraçaram,
Já não me lembro, nem sei...
São tantas as que me amaram!
São tantas as que eu amei!

Mas tu - que rude contraste! –
Tu, que jamais me beijaste,
Tu, que jamais abracei,
So tu, nest’alma, ficaste,
De todas as que eu amei.

Paulo Setúbal

domingo, 14 de março de 2010


O SENTIDO SECRETO DA VIDA

Há um sentido profundo
Na superficialidade das coisas,
Uma ordem inalterável
No caos aparente dos mundos.

Vibra um trabalho silencioso e incessante
Dentro da imobilidade das plantas:
No crescer das raízes,
No desabrochar das flores,
No sazonar das frutas.

Há um aperfeiçoamento invisível
Dentro do silêncio de nosso Eu:
Nos sentimentos que florescem,
Nas idéias que voam,
Nas mágoas que sangram.

Uma folha morta
Não cai inutilmente.
A lágrima não rola em vão.
Uma invisível mão misericordiosa
Suaviza a queda da folha,
Enxuga o pranto da face.

Helena Kolody

sexta-feira, 12 de março de 2010

(...)

"Não existe o esquecimento total: as pegadas impressas na alma são indestrutíveis."

Thomas De Quincey

quarta-feira, 10 de março de 2010


INCOMPLETA

Partes do que sou eu
São pedaços tão teus
Que nem me atrevo a resgatar
São fagulhas e centelhas
De emoções tão verdadeiras
Que não ouso explicar
São resquícios de emoção
Do meu louco coração
Que insistiu em te amar
São defeitos e virtudes
São as tuas atitudes
Que me ponho a recordar...


Ana Barreto

terça-feira, 9 de março de 2010


TE OFERECI PEDAÇOS DE MIM...

Te ofereci pedaços de mim
você recolheu e transformou em buquê
te dei sorrisos tristes
você aceitou e transformou em poemas
te dei joelhos trôpegos
você aceitou e transformou em estrada
te dei mãos cansadas
você aceitou e transformou em abraços
te dei beijos desacreditados
você aceitou e transformou em desejos
te dei receios de sentir
você aceitou e transformou em amor.


Eliana Malpighi

segunda-feira, 8 de março de 2010



MULHER TRAJETO DA VIDA

A mulher é a partida
no início da chegada.
Faz o trajeto da vida
luzidia da alvorada...

É a fênix renascida
é a alma despertada
a parte reconhecida
da vida reencarnada...

É o amor é o juízo
é a dor do paraíso
a verdade da ilusão...

A mulher é o desejo
é o fruto e é o beijo
e a causa do perdão!

A. Estebanez



MULHER...

Você que busca no dia a dia sua
independência, sua liberdade, sua
identidade própria;

Você que luta profissional e
emocionalmente, para ser
valorizada e compreendida;

Você que a cada momento tenta ser a
companheira, a amiga, a "rainha do lar";

Você que batalha incansavelmente por seus
próprios direitos e também por um mundo
mais justo e por uma sociedade sem
violências;

Você que resiste aos sarcasmos daqueles
que a chamam de, pejorativamente, de
feminista liberal e que já ocupa um
espaço na fábrica, na escola, na
empresa e na política;

Você, eu, nós que temos a capacidade de
gerar outro ser, temos também o dever de
gerar alternativas para que a nossa Ação
criadora, realmente ajude
outras
mulheres a conquistarem
a liberdade de Ser...

Ilsa da Luz Barbosa
MÃE


Renovadora e reveladora do mundo
A humanidade se renova no teu ventre.
Cria teus filhos,
não os entregues à creche.
Creche é fria, impessoal.
Nunca será um lar
para teu filho.
Ele, pequenino, precisa de ti.
Não o desligues da tua força maternal.

Que pretendes, mulher?
Independência, igualdade de condições...
Empregos fora do lar?
És superior àqueles
que procuras imitar.
Tens o dom divino
de ser mãe
Em ti está presente a humanidade.

Mulher, não te deixes castrar.
Serás um animal somente de prazer
e às vezes nem mais isso.
Frígida, bloqueada, teu orgulho te faz calar.
Tumultuada, fingindo ser o que não és.
Roendo o teu osso negro da amargura.

Cora Coralina

sexta-feira, 5 de março de 2010

TEU AMOR...

Esse teu amor arteiro que chegou quebrando regras
desarrumando gavetas
desmontando prateleiras
desgovernando meu mundo bagunçando meu coração
Ah...
Esse teu amor tem o dom de parar o tempo
encantar nossos momentos
me fazer rir grande feliz feito uma criança


Van Albuquerque

terça-feira, 2 de março de 2010


EU PRECISO...

" Eu preciso muito muito de você,
eu quero muito muito você aqui de vez em quando,
nem que seja muito de vez em quando,
você nem precisa trazer maçãs
nem perguntar se estou melhor,
você não precisa trazer nada,
só você mesmo,
você nem precisa dizer alguma coisa no telefone,
basta ligar e eu fico ouvindo o seu silêncio,
juro como não peço mais que o seu silêncio
do outro lado da linha ou do outro lado da porta
ou do outro lado do muro.
Mas eu preciso muito muito de você."


Caio Fernando Abreu