domingo, 31 de outubro de 2010



SIMPLICIDADE

Singela e formosa
Num torvelinho de espinho
Desabrocha a rosa.

Delores Pires
"O Livro dos Haicais"

sábado, 30 de outubro de 2010


PRIMAVERAS

A primavera é a estação dos risos,
Deus fita o mundo com celeste afago,
Tremem as folhas e palpita o lago
Da brisa louca aos amorosos frisos.

Na primavera tudo é viço e gala,
Trinam as aves a canção de amores,
E doce e bela no tapiz das flores
Melhor perfume a violeta exala.


Na primavera tudo é riso e festa,
Brotam aromas do vergel florido,
E o ramo verde de manhã colhido
Enfeita a fronte da aldeã modesta.

A natureza se desperta rindo,
Um hino imenso a criação modula,
Canta a calhandra, a juriti arrula,
O mar é calmo porque o céu é lindo.

Alegre e verde se balança o galho,
Suspira a fonte na linguagem meiga,
Murmura a brisa: - Como é linda a veiga!
Responde a rosa: - Como é doce o orvalho!


1° de Julho - 1858

Casimiro de Abreu
4 de janeiro de 1839 — 18 de outubro de 1860

sexta-feira, 29 de outubro de 2010




CONTRAFORTES

Neste abismo da beleza suspenso
que mal se me pergunto:
se não na terra, em qual
dos sete céus me encontro?

***


FOOTHILLS

at this beauty abyss
suspended
what evil if I ask:
if not on Earth, in which
of the seven heavens
would I find myself?

Fernando Campanella

quinta-feira, 28 de outubro de 2010




GAIVOTA

Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.

Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.

Se um português marinheiro,
dos sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse.

Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.

Se ao dizer adeus à vida
aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.

Que perfeito coração
no meu peito morreria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração.

 Alexandre O’Neil

quarta-feira, 27 de outubro de 2010



ANTES SOUBESSE EU...

Antes soubesse eu
o que fazer com estrelas na mão.
Se dilacerar-lhes a ponta
ou simplesmente não tocá-las.
Se estão perto cegam meus olhos
Se estão longe as desejo.

Antes soubesse eu
o que fazer com estrelas na mão.

Hilda Hilst

terça-feira, 26 de outubro de 2010



 EU TE DESEJO UM SONHO


Desejos são coisas simples:

Andar de mãos dadas no meio da noite,
Fazê-la parecer nunca terminar
Enquanto estrelas travessas nos espiam
Remexendo com suas pontas ligeiras
Nossos corações distraídos;

Colher flores amarelas amadurecidas no campo,
Ataviar teus cabelos longos e leves
Enquanto o vento os toca com suavidade
Embalando nossas secretas
Vontades de perdição eterna...

Sonhos, porém, são mais complexos;
Eu por exemplo sonho te fazer feliz.

Viu como é complexo?


Oswaldo Antônio Begiato

segunda-feira, 25 de outubro de 2010


 
MARCAS

Pés na areia,
coração no mar.
Minhas pisadas
vão marcando a praia.
Meu coração pisado
nem marcas
deixa
no mar.


Mila Ramos

domingo, 24 de outubro de 2010



 FALO DO AMOR...

"Falo do amor ao despertar, falo do amor quando sonho,
com as flores, com os campos, as fontes,
os ecos, o ar, os ventos,
e se não houver alguém que me escute,
falo deste amor comigo mesmo."


Wofgang Amadeus Mozart

sábado, 23 de outubro de 2010



AMANTES

uma flor
não longe da noite
meu corpo mudo
se abre
à delicada urgência do orvalho

Alejandra Pizarnik

sexta-feira, 22 de outubro de 2010



QUERO

Quero ser emoção a
flor da pele...
deixo a razão para os que
não se permitem sonhar.

Dina Isserli

quinta-feira, 21 de outubro de 2010



ALÉM DO VENTO

Nas Asas da Imaginação
Viajo com o vento,
Levando apenas os sentimentos
Que é a pura expressão
Do que me dita o coração...
Nesse voo imaginário
Nunca estou só;
Posso sentir junto a mim
A companhia constante
De outros poetas viajantes,
Que também vagueiam
Em busca da inspiração.
E quando finda a viagem,
É porque se deu a magia;
Nesse encontro além do vento
Sempre nasce uma poesia!

Angela Conde

quarta-feira, 20 de outubro de 2010




O CORAÇÃO NÃO TEM MARGENS

Como se todas as coisas fossem possíveis,
mesmo o milagre de vozes solidárias e cúmplices
na teimosia de quem acredita na magia
de qualquer lonjura, sei, de súbito,
que o coração não tem margens:
é um mar frágil que submerge
os olhos desprevenidos do homem.

Graça Pires
De Outono: lugar frágil, 1993

terça-feira, 19 de outubro de 2010




NO MEU CORAÇÃO

Há uma mistura
de sentimentos
Tímidos
Embaraçados
São poucos.

No meu coração
vão confundindo
o pensamento
E eu que tanto
tinha para dizer

Imobilizado
Eles,eles.
Suportam a vida,
Alimentam o sonho,
Movem o mundo,

Dão vida à vida,
Dão sonho ao sonho,
Fazem-me viajar
No meu coraçao
Sem emoções!...


Jorge Pereira

segunda-feira, 18 de outubro de 2010



CANÇÃO DO CAMPO VASTO

 Deixa-me amar-te com ternura, tanto
que nossas solidões se unam,
e cada um falando em sua margem
possa escutar o próprio canto.

Deixa-me amar-te com loucura, ambos
cavalgando mares impossíveis
em frágeis barcos e insuficientes velas,
pois disso se fará a nossa voz.

Ajuda-me a amar-te sem receio:
a solidão é um campo muito vasto
que não se deve atravessar a sós.


Lya Luft

domingo, 17 de outubro de 2010




 A VIDA

A alvorada foi risonha;
Ergueste-te como o dia,
Eu fiz, naquela alvorada,
Uma alegre profecia.

Inda radiava fulgente
Vénus, a saudosa estrela,
Ja tu ornavas as trancas
E cantavas à janela.

E dos laranjais vizinhos
Os rouxinóis acordados
Respondiam-te com trino s
Da tua voz namorados.

Dos virentes jasmineiros,
Que a Primavera enflorava,
Vinha cheio de perfumes
O vento que te beijava.

Quem dissera então ao ver-te
Nessa risonha alvorada,
Que a noite, estrela cadente,
Serias inanimada?


Júlio Dinis

sábado, 16 de outubro de 2010



FIQUE...


Fique em sossego o cálice vermelho
da impetuosa flor chamada instinto.

Quero o teu coração para meu espelho,
pois no teu coração não me desminto.

David Mourão Ferreira

sexta-feira, 15 de outubro de 2010



É SÓ ME PEDIR

Eu entro nesse barco, é só me pedir.
Nem precisa de jeito certo, só dizer e eu vou...
Eu abandono tudo, história, passado, cicatrizes.
Mudo o visual, deixo o cabelo crescer,
começo a comer direito, vou todo dia pra academia
Mas você tem que remar também.
Eu desisto fácil, você sabe.
E talvez essa viagem não dure mais do que alguns minutos,
mas eu entro nesse barco, é só me pedir.
Perco o medo de dirigir só pra atravessar o mundo pra te ver todo dia.
Mas você tem que me prometer que vai remar junto comigo.
Mesmo se esse barco estiver furado eu vou, basta me pedir.
Mas a gente tem que afundar junto e descobrir que é possível nadar junto.
Eu te ensino a nadar, juro!
Mas você tem que me prometer que vai tentar,
que vai se esforçar, que vai remar enquanto for preciso, enquanto tiver forças!
Você tem que me prometer que essa viagem não vai ser a toa, que vale a pena.
Que por você vale a pena.
Que por nós vale a pena.
Remar.
Re-amar.
Amar..."

Caio Fernando Abreu

quinta-feira, 14 de outubro de 2010




JARDIM DO HAITI

É da desgraça
que nasce a esperança
A noite escura
vela o sono
do novo amanhecer
É no desejo de tocar
onde a mão não alcança
refazendo o jardim
onde flores irão renascer

Gilberto Maha®©

quarta-feira, 13 de outubro de 2010



 FOLHA

Era uma folha pousada
no cotovelo do vento:
e pairava, deslumbrada,
entre morte e movimento.

Era uma folha: lembrava,
de tão frágil, o momento
em que a vida me ficava
escrava do teu juramento.

Era uma folha: mais nada.
Antes fosse esquecimento!

 

David Mourão Ferreira

segunda-feira, 11 de outubro de 2010



AMIZADE


Pode ser que um dia deixemos de nos falar...
Mas, enquanto houver amizade,
Faremos as pazes de novo.

Pode ser que um dia o tempo passe...
Mas, se a amizade permanecer,
Um de outro se há-de lembrar.

Pode ser que um dia nos afastemos...
Mas, se formos amigos de verdade,
A amizade nos reaproximará.

Pode ser que um dia não mais existamos...
Mas, se ainda sobrar amizade,
Nasceremos de novo, um para o outro.

Pode ser que um dia tudo acabe...
Mas, com a amizade construiremos tudo novamente,
Cada vez de forma diferente.
Sendo único e inesquecível cada momento
Que juntos viveremos e nos lembraremos para sempre.

Há duas formas para viver a sua vida:
Uma é acreditar que não existe milagre.
A outra é acreditar que todas as coisas são um milagre.

Albert Einstein

domingo, 10 de outubro de 2010




 SER DOIDO-ALEGRE, QUE MAIOR VENTURA! 


Ser doido-alegre, que maior ventura!
Morrer vivendo p'ra além da verdade.
É tão feliz quem goza tal loucura
Que nem na morte crê, que felicidade!

Encara, rindo, a vida que o tortura,
Sem ver na esmola, a falsa caridade,
Que bem no fundo é só vaidade pura,
Se acaso houver pureza na vaidade.

Já que não tenho, tal como preciso,
A felicidade que esse doido tem
De ver no purgatório um paraíso...

Direi, ao contemplar o seu sorriso,
Ai quem me dera ser doido também
P'ra suportar melhor quem tem juízo.

 
António Aleixo, in "Este Livro que Vos Deixo..."
 Portugal 1899-1949
Poeta popular

sábado, 9 de outubro de 2010




BANDEIRA BRANCA


E a estrela perdeu-se na noite deserta...
Tentar procurá-la, para quê, se era em vão?
Deixaram-me em casa com a porta aberta.
Mas eu bem compreendo que estou em prisão.

Talvez que pensassem mal imaginário
a mágoa duns olhos em rosto bravio.
Mas eu bem me sinto peixe em aquário,
e sei a amargura de sonhá-lo rio.

Mas eu bem compreendo o cruel desalento
dos gestos frustrados, perdidos no ar.
Foi curta a mensagem, findou meu tormento.
E não vale a pena o que está por contar.

 
(Poema “Bandeira Branca” de Maria Manuela Couto Viana
in, antologia das mulheres poetas portuguesas, pág.s 179/180)

sexta-feira, 8 de outubro de 2010




ASAS DO MEU PENSAMENTO


Nas asas do meu pensamento,
Levito,
Procuro no ser espelhado de cada um,
O que me transforma e me alimenta,
Voo na direcção do que me complementa,
Conheço o desconhecido que me atrai,
Suspiro por um qualquer momento que divago,
Aspiro sentimento em tudo o que encontro.

Ave rara essa que voa sem rumo,
Rumo talvez encontrado,
Num qualquer momento que me apazigua,

Ave que pinta,
Que paira nas nuvens que encontra,
Que se delicia no vazio que preenche.

Indomável ser,
Que sou,
Que encontro no sonho,
A razão da existência,
E que na porta entreaberta,
Procuro um qualquer ser humano,
Rico no pensar,
Rico no sentir.
Rico em tudo o que abriga.


Renata Pereira Correia

quinta-feira, 7 de outubro de 2010



CRIANÇA ETERNA


Vi nos voos dos pássaros
O entardecer escapar-se por entre
Os traços verdes do arvoredo.
Sob os olhos do anoitecer uma alma
Amparada no florir de um beijo
Em instantes de sol e doçura;
Um coração a sangrar por nada ter
Para dar e tudo perder e um homem
Que toda a sua riqueza consigo transporta.

E vi sombras de fogo num peito,
Uma alegria descontente em horas
Que são minutos quando dois corpos
Em seu leito se enamoram; e vi bolsos
De mar e de luz no desassossego
E em tudo vi a criança eterna…
Vi-me a mim.

 Alves Bento Belisário in, Inquietudes, pág. 38 (2005)

quarta-feira, 6 de outubro de 2010



FELIZES

 
Felizes. Porque, ao fundo de si mesmos, cheios andam de quanto vão pensando.
E, disso cheios, nada mais sabem. 
Dão para aquele lado onde o mundo acabou, mas resta o eco
de o haverem pensado até ao cabo e irem agora criar o movimento
que subsiste no tempo de o mundo ainda estar a ser criado.
Por isso são felizes. Foram sendo até, perdido o tempo, só em memória o estarem habitando.

Fernando Echevarría, in "Figuras"

terça-feira, 5 de outubro de 2010




O TEMPO VIVE
 
O tempo vive, quando os homens, nele,
se esquecem de si mesmos,
ficando, embora, a contemplar o estreme
reduto de estar sendo.
O tempo vive a refrescar a sede
dos animais e do vento,
quando a estrutura estremece
a dura escuridão que, desde dentro,
irrompe. E fica com o uivo agreste
espantando o seu estrondo de silêncio.

 
Fernando Echevarría, in "Sobre os Mortos"
 Portugal
 1929

segunda-feira, 4 de outubro de 2010




 VIBRA O PASSADO EM TUDO O QUE PALPITA... 


Vibra o passado em tudo o que palpita
qual dança em coração de bailarino
ao regressar já mudo o violino
e há nuvens sobre o bosque em que transita

À paz dos seres a morte em seu contínuo
crescer em ramos de coral incita
a bem da noite negra e infinita
ser um raro instrumento é seu destino:

O ceptro dos eleitos que não cansam
o corpo que este tempo já não quebra
é como a cruz que os astros quando avançam

sobre o sul traçam por medida e regra
Os deuses têm-no em suas mãos cativo
risível é quem eles mandam vivo.

 
Walter Benjamin, in "Sonetos" 
Alemanha 1892-1940
 Tradução de Vasco Graça Moura

domingo, 3 de outubro de 2010



 POEMA DE AMAR

gostava de fazer-te um poema de amar,
fazer um poema para te amar,
de fazer um poema ao amar-te.

porquê amar, amar-te a ti?
porque me amo mais por amar-te,
porque nos amo aos dois?
sim e não,
sim porque amar, é amar-te a ti.
não porque amar-te, não é amar.

porquê perguntar, perguntar-te a ti
e não a mim mesma?
sim e não, pergunto-te?
ontem sim, hoje não,
amanhã talvez?
talvez não ontem, como hoje
e talvez não amanhã.

mas amo amar-te,
e amava puder amar-te mais.

gostei de fazer-te um poema de amar,
fazer um poema para te amar,
um poema ao amar-te.
e ao amar-te, fiz um poema de amar.
e ao te amar, faço um poema para amar-te mais.

Luísa Azevedo

sábado, 2 de outubro de 2010




CREPÚSCULO


Começa a entardecer. Amor, é tarde...
Descansa no meu peito a tua fronte,
e vê o Sol baixando no horizonte,
em chamas de ouro, como brilha e arde.

Agora, resignados, sem alarde,
vamos descendo a encosta deste monte.
Já não tenho mais versos que te conte,
e nem um verso eterno em que te guarde!...

Calam-se os passarinhos no arvoredo.
- É a noite que vem. Não tenhas medo.
Acabaram-se os cantos festivais.

Silencio. Solidão. Ninguém se afoite...
Anoitecer que importa, se é de noite
que os beijos de quem ama sabem mais?!

Francisco Espínola de Mendonça - Açores
1891-1944

sexta-feira, 1 de outubro de 2010


JARDIM DO AMOR

O Jardim do Amor fui visitar,
E vi então o que jamais notara:
Lá bem no meio estava uma Capela,
Onde eu no prado correra e brincara.
E os portões desta Capela não abriam,
E "Não farás" sobre a porta escrito estava;
E voltei-me então para o Jardim do Amor
Lá onde toda a doce flor se dava;

E os túmulos enchiam todo o campo,
E eram esteias funerárias as flores;
E Padres de preto, em seu passeio secreto,
Atando com pavores minhas alegrias & amores.

William Blake, in "Canções da Experiência"
Tradução de Hélio Osvaldo Alves