domingo, 31 de janeiro de 2010


Não vou dizer queria estar contigo,
Porque estou sempre ao teu lado.
Não vou dizer te amo,
Porque não sou mais eu...
Sou só amor.
Não direi sou tua,
Porque já estou dentro do teu corpo,
Em teus poros, em teu sangue.
E passo milhões de vezes por teu coração,
Já estou nele, não mais me pertenço...

Não vou dizer estou com saudades,
Porque estás comigo!
Sempre...a qualquer momento...
Não vou dizer penso em nós,
Porque já não consigo pensar em mim.
Não vou dizer te quero,
Porque não existem palavras.

Sou toda amor...entrega...
Enfim, não sou mais eu...
Sou agora nós,
Sou só amor por ti.

Kátia Bulcão

sábado, 30 de janeiro de 2010

V

Dize-me, Amor, como te sou querida,
Conta-me a glória do teu sonho eleito,
Aninha-me a sorrir junto ao teu peito,
Arranca-me dos pântanos da vida.

Embriagada numa estranha lida,
Trago nas mãos o coração desfeito.
Mostra-me a luz, ensina-me o preceito
Que me salve e levante redimida!

Nesta negra cisterna em que me afundo,
Sem quimeras, sem crenças, sem ternura,
Agonia sem fé dum moribundo,

Grito o teu nome numa sede estranha,
Como se fosse, Amor, toda a frescura
Das cristalinas águas da montanha!

Florbela Espanca

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010


IV

És tu! És tu! Sempre vieste, enfim!
Oiço de novo o riso dos teus passos!
És tu que eu vejo a estender-me os braços
Que Deus criou pra me abraçar a mim!

Tudo é divino e santo visto assim...
Foram-se os desalentos, os cansaços...
O mundo não é mundo: é um jardim!
Um céu aberto: longes, os espaços!

Prende-me toda, Amor, prende-me bem!
Que vês tu em redor? Não há ninguém!
A Terra? - Um astro morto que flutua...

Tudo o que é chama a arder, tudo o que sente,
Tudo o que é vida e vibra eternamente
É tu seres meu, Amor, e eu ser tua!

Florbela Espanca

terça-feira, 26 de janeiro de 2010


III

Frémito do meu corpo a procurar-te,
Febre das minhas mãos na tua pele
Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel,
Doido anseio dos meus braços a abraçar-te,

Olhos buscando os teus por toda a parte,
Sede de beijos, amargor de fel,
Estonteante fome, áspera e cruel,
Que nada existe que a mitigue e a farte!

E vejo-te tão longe! Sinto a tua alma
Junto da minha, uma lagoa calma,
A dizer-me, a cantar que me não amas...

E o meu coração que tu não sentes,
Vai boiando ao acaso das correntes,
Esquife negro sobre um mar de chamas...

Florbela Espanca

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010


TRISTEZA

Esta tristeza que me envolve agora
Nem me deixa sequer pensar em mim…
Cai na terra o silêncio; e nesta hora
A minha dor vai descansar enfim.

O sol ao longe todo o céu colora
De nuvens cor de fogo e de rubi
E as árvores também, como quem ora,
Rumorejam nas sombras do jardim.

E no silêncio desta tarde linda
Paira na terra uma doçura infinda,
Asas leves de sonho e de agonia…

Morrem ao longe as nuvens incendiadas,
Quando o silêncio e a sombra de mãos dadas
Amortalham a luz, ao fim do dia…

Anrique Paço d'Arcos
(1.906-1.993)Portugal

domingo, 24 de janeiro de 2010


A UMA FLOR

Hoje é dia de fotos.
Oh, delicada, universal vaidade,
seria impressão ou recolhes as pétalas
ocultando alguma ruga que mal desponta?

Mas não me respondas.
Alguns segredos melhor se guardam
no faz-de-conta.

Fernando Campanella

"É tão dificil falar e dizer coisas que não podem ser ditas. É tão silencioso. Como traduzir o silêncio do encontro real entre nós dois? Dificilimo contar. Olhei para você fixamente por instantes. Tais momentos são meu segredo. Houve o que se chama de comunhão perfeita. Eu chamo a isto estado agudo de felicidade."


Clarice Lispector

sábado, 23 de janeiro de 2010


AI DE QUEM AMA

Quanta tristeza
Há nesta vida
Só incerteza
Só despedida

Amar é triste
O que é que existe?
O amor

Ama, canta
Sofre tanta
Tanta saudade
Do seu carinho
Quanta saudade

Amar sozinho
Ai de quem ama
Vive dizendo
Adeus, adeus

Vinícius de Morais

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010


UMA CANÇÃO

Por detrás dos meus olhos há águas
Tenho de as chorar todas.

Tenho sempre um desejo de me elevar voando,
E de partir com as aves migratórias.

Respirar cores com os ventos
Nos grandes ares.

Oh, como estou triste...
O rosto da lua bem o sabe.

Por isso, à minha volta há muita devoção aveludada
E madrugada a aproximar-se.

Quando as minhas asas se quebraram
Contra o teu coração de pedra,

Caíram os melros, como rosas de luto,
Dos altos arbustos azuis.

Todo o chilreio reprimido
Quer jubilar de novo

E eu tenho um desejo de me elevar voando,
E de partir com as aves migratórias.


Else Lasker-Schüler
(Alemanha-1869-1945)

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

QUASE UM DEVANEIO

Renasce o dia, pressinto-o
no alvor de prata gasta
pelos muros:
Uma luz frouxa listra as janelas fechadas.
Retorna o acontecimento do sol
mas sem as vozes difusas,
os estrépitos habituais.

Por que? Penso em um dia enfeitiçado
e da ronda das horas sempre iguais
me desforro. Transbordará a força
que em mim crescia, inconsciente mago,
há tanto tempo. Então me assomarei à janela,
farei sumir as altas casas, as alamedas vazias.

Terei diante de mim uma paisagem de neve intacta
mas suave como se numa tapeçaria.
Deslizará no céu flocoso um raio tardio.
Prenhes de luzes invisíveis selvas e colinas
me farão o elogio dos alegres regressos.

Lerei feliz os negros
sinais dos ramos contra o branco
como um alfabeto essencial.
Todo o passado de uma só vez
se fará presente.
Som algum turbará
essa alegria solitária.
Riscará o ar
ou pousará numa estaca
alguma pega.


Eugenio Montale
Poesias(Trad. de Geraldo Holanda Cavalcanti)
(Itália 1896-1981)



domingo, 17 de janeiro de 2010



DE MÃOS DADAS

Permita meu coração escrever, através delas,
O sentimento infinito que grita desesperado
Dentro de minh’alma.
De mãos dadas
Voe comigo ao mundo dos sonhos
Que habita tão perto de nós
E nem nos dávamos conta.
De mãos dadas,
Leve minha vida
Ao céu
Da sua vida.
De mãos dadas
Ajuda minha poesia a cantar
E a espalhar esse amor
Entre todos que agora a lêem.
De mãos dadas
Por favor...
Não deixe a esperança escapar
Através dos meus dedos.
Sem as suas mãos
Sei que não posso [...]
Sei que não sou [...]
Sei que emudeço.
Por isso,
Preciso da sua mão,
Para seguir em paz [...]
Dá-me tua mão?

(D/A)

sábado, 16 de janeiro de 2010


TE OLHO NOS OLHOS

Te olho nos olhos e você reclama
Que te olho muito profundamente.

Desculpa,
Tudo que vivi foi profundamente...
Eu te ensinei quem sou...
E você foi me tirando...
Os espaços entre os abraços,
Guarda-me apenas uma fresta.

Eu que sempre fui livre,
Não importava o que os outros dissessem.

Até onde posso ir para te resgatar?

Reclama de mim, como se houvesse a possibilidade...
De me inventar de novo.

Desculpa...se te olho profundamente,
Rente à pele...
A ponto de ver seus ancestrais...
Nos seus traços.

A ponto de ver a estrada...
Muito antes dos seus passos.

Eu não vou separar as minhas vitórias
Dos meus fracassos!

Eu não vou renunciar a mim;

Nenhuma parte, nenhum pedaço do meu ser
Vibrante, errante, sujo, livre, quente.

Eu quero estar viva e permanecer
Te olhando profundamente."


Ana Carolina




PASTOREIRO

Depois que aqui for deixado
e todos tiverem ido
vou ser vento libertado
pelas mãos dos desvalidos
espalhando flor e pólen
no solo fertiliza
com o pranto dos oprimidos...

Vou soltar as estribeiras
cavalgar nuvens em pêlo
e aboiar as corredeiras
de meus rios represados...
Vou montar a liberdade
fingida das carpideira
na pena dos condenados.

Sob os lábios comprimidos
dente por dente calado
olho por olho cerrado
na masmorra dos sentidos...
Vou virar redemoinhos
e girar pelos caminhos
como pássaros banidos.

Meus sonhos pagens de ninfas
Luzes sombras sobre os lagos
prado em flor de claras tintas
de mistérios desvendados...
Vou apascentar meus mortos
na paz de ovelhas famintas
entre lobos saciados...

A. Estebanez

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010


OS PARCEIROS

Sonhar é acordar-se para dentro:
de súbito me vejo em pleno sonho
e no jogo em que todo me concentro
mais uma carta sobre a mesa ponho.

Mais outra! É o jogo atroz do Tudo ou Nada!
E quase que escurece a chama triste...
E, a cada parada uma pancada,
o coração, exausto, ainda insiste.

Insiste em quê?Ganhar o quê? De quem?
O meu parceiro...eu vejo que ele tem
um riso silencioso a desenhar-se

numa velha caveira carcomida.
Mas eu bem sei que a morte é seu disfarce...
Como também disfarce é a minha vida!

Mário Quintana
Soneto nº1 de 'A rua dos Cataventos'

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010


SAUDADE

A saudade é uma andorinha,
mas uma andorinha estranha:
quando, num peito se aninha,
as outras não acompanha…

Saudade – coisa que a gente
não explica nem traduz;
faz do passado, presente,
e traz sombras, sendo luz…

Saudade – febre que a gente
sem querer, pode apanhar,
nunca mata de repente,
vai matando, devagar…

Saudade – a princípio é pena
que nos deixa uma partida;
depois é dor que condena
a morrer dentro da vida…

se é triste sentir saudade,
muita saudade de alguém,
maior infelicidade
é não tê-la de ninguém.

Yde Schloenbach Blumenschein
(Colombina)

DOIS EM UM

Teu olhar traz-me a mansidão de um riacho
E as profundezas do Oceano;
Os mistérios do Espaço
E a transparência do cristal.
A tepidez dos teus lábios,
Sopra-me um hálito gostoso,
Como a brisa a chegar da mata,
Com sabor de mel
E perfume de flores.

Na serenidade do teu sorriso,
Perco-me e me reencontro,
Porque nele parece que escuto
O falar do silêncio
E o dizer do nada, revelando-me tudo.
No invisível do que existe, além do visível,
Pressinto o ruido dos teus pés,
Acompanhando-me os passos,
Na rua da tua ausência.
Tudo o que és, meu íntimo sabe
E o que não és, meu coração sonha.
No "não dizer" da tua boca,
Compreendo o incompreendido
Porque a metade do teu "eu"
Completa-se no meu.

Sá de Freitas

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010


INCONSTÂNCIA

Procurei o amor que me mentiu.
Pedi à Vida mais do que ela dava.
Eterna sonhadora edificava
Meu castelo de luz que me caiu!

Tanto clarão nas trevas refulgiu,
E tanto beijo a boca me queimava!
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!

Passei a vida a amar e a esquecer…
Um sol a apagar-se e outro a acender
Nas brumas dos atalhos por onde ando…

E este amor que assim me vai fugindo
É igual a outro amor que vai surgindo,
Que há de partir também… nem eu sei quando…

Florbela Espanca


terça-feira, 12 de janeiro de 2010


CANÇÃO DA SIMPLICIDADE

Esta é a voz da Simplicidade:
não tem nada de artificial.
Ela é bem como a mocidade:
melancólica e natural.

E é bem triste, porque é sincera.
Por que não? Tanta gente existe
que, num dia de primavera,
sem saber porque, fica triste.

O que a gente sabe do mundo
dá vontade só de morrer;
mas o que não sabe é,no fundo,
o que faz a gente viver.

Esta é a voz bem doce e prudente
que se, às vezes, nesta ou naquela
folha chora, é para que a gente
ache a vida melhor do que ela.
Ó crianças, vesti, na aurora,
as roupinhas dominicais!
Colhei flores, que ides agora
ouvir o órgão entre os vitrais!

Ó velhinhas, tomai o chale
e os rosários! E que,o sol posto,
este canto às almas vos fale
e vos tire as rugas do rosto!

Lindos rostos, rostos sem vincos,
persignai-vos com devoção!
Ó mulheres, tirai os brincos
para ouvirdes bem a canção!

A canção bem moça, bem doce
e bem simples... Ó mocidade,
que serias tu se não fosse
a canção da Simplicidade?


Guilherme de Almeida
- A primeira Mágoa - In Toda a Poesia


segunda-feira, 11 de janeiro de 2010


ESPERANÇA

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...

Mário Quintana

domingo, 10 de janeiro de 2010


VOCÊ É POESIA

Sou a parte mais singela
de mim mesmo
e você a parte mais gostosa e bela,
dos meus pensamentos.
Que desperta assim o meu desejo,
nos melhores momentos
da minha inspiração.
***
Sou coração, você é alma.
Sou vida, você é eternidade.
Sou o teu sorriso
e você a minha felicidade.
Sou tão comum
e você tão rara.
***
Sou um caminho secundário
e você a minha principal estrada.
Se sou poeta,
você é poesia, pura emoção
e alegria.
****
Enquanto eu, apenas sou teu!
E me entrego a ti,
todos os dias . . .


Homenino Poeta