quarta-feira, 30 de junho de 2010



PREDILEÇÃO

Amo os gestos estáticos, plasmados
numa atitude lenta de abandono;
certos olhares bêbedos de sono
e a poesia dos muros desbotados...

Amo as nuvens longínquas... o reflexo
na água dos foscos lampiões...as pontes...
a sufocação ríspida das fontes
e as palavras poéticas sem nexo.

Mas, sobretudo, eu amo esses instantes
em que, como dois presos foragidos,
os meus olhos se embrenham, distraídos,
na natureza - como dois amantes...


Onestaldo de Pennafort
em Poesias
Rio De Janeiro-1902-1987

terça-feira, 29 de junho de 2010



FORÇA


O que revela a nossa força não é sermos imbatíveis, incansáveis, invulneráveis. É a coragem de avançar, ainda que com medo. É a vontade de viver, mesmo que já tenhamos morrido um pouco ou muito, aqui e ali, pelo caminho. É a intenção de não desistirmos de nós mesmos, por maior que às vezes seja a tentação. São os gestos de gentileza e ternura que somente os fortes conseguem ter.


Ana Jácomo

segunda-feira, 28 de junho de 2010



SALMO DO SILÊNCIO

Tão grande é meu silêncio que ouviria
uma hóstia pousar sobre uma nuvem ,
a floração de estrelas no abismo
e o murmúrio de Deus amando o mundo.


Neste convulso silêncio escutaria
uma luz caminhando no infinito
e a tristeza de um anjo abandonado.


Tão puro meu silêncio que escuto
o solitário coração de Deus
fluindo angústia. E às vezes sinto
desdobrar-se em silêncio e mais silêncio
a grande voz a murmurar meu nome
na negra solidão inacessível.


Yttérbio Homem de Siqueira
de "Abismo Intacto"
1932-1981- R G do Norte

domingo, 27 de junho de 2010


FLORES NO CAMINHO

Há flores no caminho
não ando sozinho
Camélia, margaridas, sempre-vivas
rosas sem espinho
semeadas com carinho

No caminho há flores
em meu coração muitos amores

Há flores no caminho
em cada estação um ninho
nos lábios, o paladar do vinho
no leito, a seda e o linho
nas memórias, o frescor do pinho

Certamente há flores no caminho...


Úrsula Avner

sábado, 26 de junho de 2010



PÕE-ME AS MÃOS NOS OMBROS

Põe-me as mãos nos ombros...
Beija-me na fronte...
Minha vida é escombros,
A minha alma insonte.

Eu não sei por quê,
Meu desde onde venho,
Sou o ser que vê,
E vê tudo estranho.

Põe a tua mão
Sobre o meu cabelo...
Tudo é ilusão.
Sonhar é sabê-lo.

Fernando Pessoa

sexta-feira, 25 de junho de 2010


PENSAMENTOS

Mais teus que meus.
Rotulados
Com teu nome
Teu jeito
Teu carinho...

Cada detalhe de ti...
Do que vem de ti...

Pensamentos que te
Buscam em qualquer
Lugar...


Cida Luz

quinta-feira, 24 de junho de 2010


QUERO MAIS...

Tem gente
Que chega de mansinho
E vem fazendo casa
Na vida da gente...
Vem como quem nada quer
E se aconchega
Feito brisa leve
Até que a gente pede
Pra não mais partir
Pois se for embora
Não vamos mais sorrir...
Tem gente tão especial
Que nos dá paz
Apenas num olhar
E diz num simples gesto
Que veio pra ficar.
Tem gente
que feito tatuagem
gruda em nosso peito
Não vê nossos defeitos
Nos faz especiais...
É gente desse jeito
Que quero sempre mais.

Sirlei L. Passolongo

quarta-feira, 23 de junho de 2010


UMA ROSA


Abrem-se ainda tardes como lagos
pálidos sobre os tetos d'ouro,
leve tremendo na quieta luz
a ânsia derramada das árvores.
E não há mais memória ou pranto: só
um mover d'olhos no coração que acorda
do seu sono de pedra e te revê,
claro fulgor de vida, maravilha
revelada e secreta da vida
que vive . E o céu é céu.
Uma rosa se abriu em qualquer ponto
do mundo e inebria todo o ar
do ocaso que se expande sobre o mundo.


*Diego Valeri
in La poesia di Diego Valeri.
Prefazione di Piero Nardi.
Published 1968 by Laviana in Padova

* (Piove di Sacco, 25 gennaio 1887 – Roma, 27 novembre 1976)

terça-feira, 22 de junho de 2010


O TEMPO IMÓVEL

O calor de seu canto vai parando
a tarde. Um pássaro canta.
Ao campo e à tarde a chama do verão
seu canto vai levando.

Fica parado dividindo a várzea
um marinheiro rio. A várzea morta,
o rio sem passar e o pássaro
que o sono do verão leva no canto,

e o tempo de lazer o tempo de jazer
antes da morte mais profunda. A sombra
do campo claro a sombra do silêncio

nasce do canto e do calor e dura
pára na terra pobre o mata-pasto
pára no campo o coração da tarde.


H. Dobal
In: O Tempo Conseqüente

segunda-feira, 21 de junho de 2010


MOTIVO

No coração
a palavra rumina
a indignidade do chumbo
que escurece as manhãs.

Com suas garras de luz
os versos que vingam
no deserto interior
anunciam o oásis
onde a linguagem sacia
a sede de sonhos.

Na manhã dourada
que se anuncia
entre um vento e outro

as estrelas mortas
ressucitarão na obscuridade da alma
reverberando um farol de mel
contra as varizes do desencanto
sepultando o latifúndio as noites.

Eis o poema

ponte dialética

entre a sintaxe do abismo
e a gramática dos silêncios.


Ronaldo Cagiano
in Suplemento Literário de Minas Gerais

domingo, 20 de junho de 2010


A ALEGRIA DE VIVER

Para a alegria de viver nada nos falta:
Sol, natureza clara e sinos a tocar,
Nuvens imateriais na montanha mais alta,
Ondas desenrolando a planura do mar;

O céu tranqüilo e azul que a madrugada esmalta,
O alvoroço de amor dos ninhos soltos no ar.
E a água que da montanha entre begônias salta
E, em cambiantes de luz, forma um riacho a cantar.

O vento que sussurra, o silencio que espreita,
Vôos de pombas numa apoteose de penas,
Tudo em torno de nós é tão puro e tão bom,

Que a criatura feliz, em divina colheita,
Enche as mãos sem querer. . . (como as mãos são pequenas!)
De perfume, de sol, de cor, de luz, de som.

Olegário Mariano
In: Toda Uma Vida de Poesia

sábado, 19 de junho de 2010


AMA-ME POR AMOR DO AMOR

Ama-me, por amor do amor somente,
Não digas: Amo-a pelo seu olhar,
O seu sorriso, o modo de falar
Honesto e brando. Amo-a porque se sente

Minh'alma em comunhão constantemente
Com a sua". Por que pode mudar
Isso tudo, em si mesmo, ao perpassar
Do tempo, ou para ti unicamente.

Nem me ames pelo pranto que a bondade
De tuas mãos enxuga, pois se em mim
Secar, por teu conforto, esta vontade

De chorar, teu amor pode ter fim!
Ama-me por amor do amor, e assim
Me hás de querer por toda a eternidade.


Elizabeth Barrett Browning

sexta-feira, 18 de junho de 2010


ESTAÇÕES DO CORAÇÃO

Nas esquinas do outono
meu coração tem ritmos imprecisos
como se a paisagem dos desalentos
furtassem o estio

Suas estações conservam,
a face do tempo sem disfarces
que se doam nas rubras manhãs
das primaveras sem cor

Cuidarei para que teu sorriso
permeie e intercale nossas vozes,
num silêncio absoluto
onde nada terá em mim,
o que não sintas em ti

Conceição Bentes

quinta-feira, 17 de junho de 2010


CANÇÃO DO AMOR SERENO

Vem sem receio: eu te recebo
Como um dom dos deuses do deserto
Que decretaram minha trégua, e permitiram
Que o mel de teus olhos me invadisse.

Quero que o meu amor te faça livre,
Que meus dedos não te prendam
Mas contornem teu raro perfil
Como lábios tocam um anel sagrado.

Quero que o meu amor te seja enfeite
E conforto, porto de partida para a fundação
Do teu reino, em que a sombra
Seja abrigo e ilha.

Quero que o meu amor te seja leve
Como se dançasse numa praia uma menina.


Lya Luft

quarta-feira, 16 de junho de 2010

VOCÊ, SEMPRE VOCÊ...

Você: um céu totalmente azul.
Você: que vê o meu olhar diante de um sonho.
Você: que segue todos os meus passos.
Você: o desejo de cada manhã de sol.
Você: amor que guardo a cada dia.
Você: sorriso que faz um rosto triste ser feliz.
Você: pessoa indispensável a cada momento que preciso.
Você: que até em sonho me faz completa.
Você: luz que brilha tão longe,e que tenho medo de alcançar.
Você: mãos que se estende querendo carinho.
Você: vida de um sonho que eu quis entrar e
que agora não tenho forças para sair.
Você: vida minha ,que eu hei de ficar até morrer.
Você: história que sempre ira ficar guardada na minha memória.
Você: sempre Você...


Celi Luzzi

terça-feira, 15 de junho de 2010

EU TE DARIA...

Eu te daria o mundo
Se eu pudesse pegá-lo com as mãos
Eu te daria a vida
Se você pudesse me ter sempre na memória
Eu te daria minhas mãos
Como um gesto de carinho
Eu te daria um sorriso
Para nunca lhe ver triste
Eu te daria palavras
Como um consolo,nas horas difíceis
Eu te daria o meu ombro
Para você poder chorar
Eu te daria o meu abraço
Para te esquentar,nas noites frias
Eu te daria o meu colo
Para você desabafar
Eu te daria a luz
Para caminhos mais claros
Eu te daria uma flor
Para que dela,se lembrasse de mim
Eu te daria os olhos
Para que neles voltassem o brilho,porque
se parecem com os meus
Eu te daria o amor,a paixão
Para que você sentisse no coração
Que o meu amor clama pelo seu
Que é tão puro,tão lindo ,tão forte
Que sempre vai seguir
Teu cheiro ,teu abraço
E que sempre vai estar diante
E nunca distante,dos teus passos...

Celi Luzzi

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Ha muitas maneiras
mas muitas mesmo, de
dizer te amo.
Diz se com sorrisos, caricias
beijos, olhares...
Demonstra se com o jeito
de falar, com o jeito de abraçar
com o jeito especial de dizer
"Gosto de você"...
Mas ha uma maneira de dizer
te amo" da qual não abro mão
por nada deste mundo:
É quando estou em você e você
em mim...

D/A

domingo, 13 de junho de 2010


PODES SORRIR

Podes sorrir-te... Embora! as flores murcham,
Mas não morre o perfume sobre o chão!
Que importa o riso sobre lábio ingrato,
Si inda, mulher, te bate o coração?!

Fada orgulhosa, nos salões brilhantes,
Vagas sem tino, no dançar louquejadas;
E penas brancas da plumagem alva
Caíram todas... Num paul doidejas.

Vale, acaso, essa vida de delírio,
Aqueles sonhos de paixão fervente,
Os quentes beijos, os abraços ternos,
E o céu tranqüilo sobre a terra ardente?!

Ai! que louca tu fostes, As nossas festas
Tinham por luzes os clarões da lua;
Inda hoje, às vezes, solitária e bela,
Tua imagem triste no luar flutua!

Não chorarei... Oh! não! Lá quando, um dia,
Emudecer o som da louca festa,
Essa história de gozos infinitos
Hão de contar-te as brisas da floresta!

Teu pranto em fio pelas faces murchas
Há de ser minha única vingança.
Serás a estátua muda da Saudade,
No sepulcro deserto da Esperança!...

Embalde o tentas... Minha imagem sempre,
Como um remorso, surgirá perdida!
Eu sou tua sombra, seguirei teu corpo!
Eu sou tua'aIma, seguirei tua vida!

Victor Hugo

sábado, 12 de junho de 2010

O MAIS QUE PERFEITO

AH!!quem me dera ir-me
contigo agora
Para um horizonte firme
(Comum embora)
AH!!quem me dera ir-me!

AH!!quem me dera amar-te
Sem mais ciúmes
De alguém em algum lugar
Que não presumes...
AH!!quem me dera amar-te

AH!!quem me dera ver-te
Sempre ao meu lado
Sem precisar dizer-te
Jamais: cuidado
AH!! quem me dera ver-te

AH!! quem me dera ter-te
Como um lugar
Plantado num chão verde
Para eu morar-te
Morar-te até morrer-te

Vinícius de Moraes

sexta-feira, 11 de junho de 2010

SÓ TE VEJO...

Todas as noites,eu debruçada á janela do meu quarto vejo você passar.
Tão lindo,tão formoso, que o teu cheiro fica no ar.
Sinto vontade de te dizer boa noite ao velo passar.
Mas a timidez me incomoda e eu me vejo todas as noites
debruçada,sem nada a falar.
E então me imagino tocando suas mãos, abraçando seu corpo beijando sua boca, para meu coração aquietar.
E assim vai, todas as noites debruçada a janela somente
a sonhar...


Celi Luzzi

quinta-feira, 10 de junho de 2010

AMOR

O amor só é lindo, quando nos transforma no melhor que podemos ser.


Mário Quintana

quarta-feira, 9 de junho de 2010

TRADUZIR-SE

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim é multidão:
outra parte estranheza e solidão
Uma parte de mim pesa, pondera:
outra parte delira.

Uma parte de mim almoça e janta:
outra parte se espanta.
Uma parte de mim é permanente:
outra parte se sabe de repente.

Uma parte de mim é só vertigem:
outra parte,linguagem.
Traduzir uma parte na outra parte
— que é uma questão de vida ou morte
—será arte?
Ferreira Gullar

terça-feira, 8 de junho de 2010



A CERTAIN SLANT OF LIGHT

There's a certain slant of light,
On winter afternoons,
That oppresses, like the weight
Of cathedral tunes.

Heavenly hurt it gives us;
We can find no scar,
But internal difference
Where the meanings are.

None may teach it anything,
'Tis the seal, despair,-
An imperial affliction
Sent us of the air.

When it comes, the landscape listens,
Shadows hold their breath;
When it goes, 't is like the distance
On the look of death.

Emily Dickinson


Há uma certa inclinação da luz,
Nas tardes invernais,
Que oprime, como o peso
Do dobrar dos sinos nas catedrais.

Celestial ferida ela nos impõe,
Sem nenhuma cicatriz ofertar
Salvo a interna diferença
Onde os sentidos vêm a se encontrar.

Ninguém nada pode lhe ensinar,
Ela é o selo, o desespero,
Uma aflição imperiosa
Enviada a nós do ar.

Quando vem, a paisagem se põe a escutar,
As sombras detêm o fôlego;

Quando vai, é como a distância
do olhar da morte a passar.

(There's a certain slant of light, poema de Emily Dickinson,
traduzido por Fernando Campanella)

segunda-feira, 7 de junho de 2010


EU SOU...

Eu sou, mas o que eu sou quem cuida ou sabe?
Em meus amigos um lembrar perdido.
Gastar as minhas mágoas a mim cabe -
erguem-se e passam num revoar esquecido,
sombras de amor que a própria ânsia esmaga -
mas sou, e vivo - como névoa vaga


lançada ao nada de uma vácua lida,
ao vivo mar dos sonhos acordados,
onde não há qualquer senso da vida,
mas o naufrágio só dos bens passados.
Até os mais caros, meu amor mais fundo,
estranhos me são, ou mais que todo o mundo.


Anseio terras que ninguém pisou,
onde mulher nunca sorriu nem chora,
e onde me unir ao Deus que me criou,
para dormir como na infância outrora -
sem que nenhum cuidado seja meu:
erva por baixo, e acima o curvo céu.


John Clare
(in «Poesia de 26 Séculos»
Antologia, tradução, prefáio
e notas de Jorge de Sena,
Edições ASA, 2001)


I am

I am! yet what I am who cares, or knows?
My friends forsake me like a memory lost.
I am the self-consumer of my woes;
They rise and vanish, an oblivious host,
Shadows of life, whose very soul is lost.
And yet I am—I live—though I am toss’d

Into the nothingness of scorn and noise,
Into the living sea of waking dream,
Where there is neither sense of life, nor joys,
But the huge shipwreck of my own esteem
And all that’s dear. Even those I loved the best
Are strange—nay, they are stranger than the rest.

I long for scenes where man has never trod—
For scenes where woman never smiled or wept—
There to abide with my Creator, God,
And sleep as I in childhood sweetly slept,
Full of high thoughts, unborn. So let me lie,—
The grass below; above, the vaulted sky.


John Clare

domingo, 6 de junho de 2010

ANOITECER

Musgo negro.
Cheiro de chão em cálidos grânulos.
Grelos de prata finos e frágeis,
E o cântico de brancas campânulas.

Mudos se apagam os fogos murchos.
Um sopro só da morna maré.
Florindo, os mares rubros derretem;
Sugam sangue os sóis escuros.


Max Dauthendey
(1867-1918)
Tradução:André Vallias

ABEND

Schwarze Moose.
Erdgeruch in lauen Flocken.
Schmale dünne Silberblüten
Und Gesang von bleichen Glocken.

Welke Feuer löschen leise.
Nur ein Atmen warmer Flut.
Blühend schmelzen rote Meere,
Dunkle Sonnen saugen Blut.


Max Dauthendey

sábado, 5 de junho de 2010


SE PERGUNTAREM POR MIM

digam
-que as raízes de meus ventos dispersaram tantas quimeras
mas que os vendavais de meus dias não perderam ainda suas cores
-que o sol, o mar e as areias da praia fluem
em mim como os acordes de Debussy num fim de tarde
-que todos os azuis e os verdes, às vezes, me habitam
-que, às vezes, sou uma pobre noite sem estrelas puras
-que meus sonhos de tão vagos não encontraram
janelas e nem portas
-que minhas semeaduras se deixam queimar magras,
bem antes que o sol se ponha
-que na musica de tantos dias e noites encontrei
violinos desafinados
-mas que
na chuva, de tão cinza ao cair
descobri nela
toda uma gama de coloração
de vida
rasgando estradas novas em esperança.


Se perguntarem por mim. . .



Alvina Nunes Tzovenos
In: Palavras ao Tempo

sexta-feira, 4 de junho de 2010

RAJADA

há palavras
leves
como sementes de álamo

erguem-se
levadas pelo vento
e voltam a cair

difícil agarrá-las
porque se afastam muito
como sementes de álamo

há palavras
que mais tarde talvez
removerão a terra

que espalharão sombra
uma sombra delgada
ou talvez não


Hans Magnus Enzensberger
(Alemanha- 1929)
Tradução de Eugénio de Andrade

quinta-feira, 3 de junho de 2010


DÁ-ME TUA MÃO...

Dá-me tua mão
E eu te levarei aos campos musicados pela
canção das colheitas.
Cheguemos antes que os pássaros nos disputem
os frutos,
Antes que os insetos se alimentem das folhas
entreabertas.

Dá-me tua mão
E eu te levarei a gozar a alegria do solo
agradecido,
Te darei por leito a terra amiga
E repousarei tua cabeça envelhecida
Na relva silenciosa dos campos.

Nada te perguntarei,
Apenas ouvirás o cantar das águas adolescentes
E as palavras do meu olhar sobre tua face muito
amada.


Adalgisa Nery
in As Fronteiras da Quarta Dimensão (1951)

quarta-feira, 2 de junho de 2010

O SONHO

Quantas vezes, em sonho, as asas da saudade
Solto para onde estás, e fico de ti perto!
Como, depois do sonho, é triste a realidade!
Como tudo, sem ti, fica depois deserto!


Sonho... Minha alma voa. O ar gorjeia e soluça.
Noite... A amplidão se estende, iluminada e calma:
De cada estrela de ouro um anjo se debruça,
E abre o olhar espantado, ao ver passar minha alma.


Há por tudo a alegria e o rumor de um noivado.
Em torno a cada ninho anda bailando uma asa.
E, como sobre um leito um alvo cortinado,
Alva, a luz do luar cai sobre a tua casa.


Porém, subitamente, um relâmpago corta
Todo o espaço... O rumor de um salmo se levanta
E, sorrindo, serena, apareces à porta,
Como numa moldura a imagem de uma Santa...

Olavo Bilac

terça-feira, 1 de junho de 2010


SOU O VENTO


Eu sou o vento...
que leva as letras da poesia,
que desprendem do texto.

Eu sou o vento...
Que varre a areia da praia
apagando as mensagens escritas na areia.

Eu sou o vento...
a entrar pela fresta, pelo vão
e teima em espalhar as folhas
de cima de sua mesa,
para chamar-lhe a atenção.

Eu sou o vento,
que invade seu quarto,
faz o lençol tremular...
soprando seu corpo
fazendo sua pele arrepiar.

Eu sou o vento
a embalar os teus cabelos
como ondas no mar,
acariciar teu rosto
com desejos de amar!


Mauricio Chila Freyesleben