sexta-feira, 30 de abril de 2010


ALINHAVANDO VERSOS

Vou alinhavar versos prudentemente
para um encontro muito improvável
com esta minha mente que desmente
a estrada da realidade não realizável!

Alguém quis meu destino ali traçado
no instante em que viveu a semente
germinada no colo já providenciado
naquele sublime acto tão perpetuado
fecundado num dia estéril e adubado!

Ah! No vácuo ficam as pobres letras
lavradas por tamanho vil sentimento
perecidas no mural do grande poeta!

Que reclama no estandarte do poder
destruindo castas humildes intenções
reza fel ironizado, não o soube conter!

Ser poeta não é somente ilustrar versos
mas, vesti-los com tecido de sentimento
enraizados por motivos mais dispersos!

Maria Valadas

quinta-feira, 29 de abril de 2010


PERSONAGEM

Teu nome é quase indiferente
e nem teu rosto mais me inquieta.
A arte de amar é exactamente
a de se ser poeta.

Para pensar em ti, me basta
o próprio amor que por ti sinto:
és a idéia, serena e casta,
nutrida do enigma do instinto.

O lugar da tua presença
é um deserto, entre variedades:
mas nesse deserto é que pensa
o olhar de todas as saudades.

Meus sonhos viajam rumos tristes
e, no seu profundo universo,
tu, sem forma e sem nome, existes,
silêncio, obscuro, disperso.

Teu corpo, e teu rosto, e teu nome,
teu coração, tua existência,
tudo - o espaço evita e consome:
e eu só conheço a tua ausência.

Eu só conheço o que não vejo.
E, nesse abismo do meu sonho,
alheia a todo outro desejo,
me decomponho e recomponho.

Cecília Meireles

quarta-feira, 28 de abril de 2010


PRIMEIRA PALAVRA

Aproxima o teu coração
e inclina o teu sangue
para que eu recolha
os teus inacessíveis frutos
para que prove da tua água
e repouse na tua fronte
Debruça o teu rosto
sobre a terra sem vestígio
prepara o teu ventre
para a anunciada visita
até que nos lábios humedeça
a primeira palavra do teu corpo


Mia Couto

terça-feira, 27 de abril de 2010


PRESENTE ESPECIAL

Hoje quero lhe presentear,
Com pedacinhos de mim,
E para perfumar o seu lar,
Colhi flores no meu jardim.

Este é um presente especial,
Com recheios de ternura e amor,
Prova do meu carinho sem igual,
Revestidos de intenso sabor.

Colhi galhos de Esperança,
Ramalhetes de Felicidade,
E estrelas em pleno dia.

No olhar tranquilo de uma criança,
Busquei o brilho da eternidade,
Para entregar tudo a você, nesta Poesia.
 
Clara Strapazzon

segunda-feira, 26 de abril de 2010


SONETO

Fazei, depois, também o meu retrato,
Como vereis que sou na realidade:
Sem alma e coração, pela vontade
Do milagroso Amor, que não combato.


Sou nave sem comando ou imediato
Sem vela ou mastro, em meio à tempestade,
Buscando essa bendita claridade
Que em toda parte aponta o rumo extato.

E prestai atenção que meu semblante
Seja do lado esquerdo aflito e incerto
E do direito, alegre e triunfante;

A dupla face exprimirá, decerto,
Tanto o prazer de estar com meu amante
Quanto o temor de que outra ande por perto.

Gaspara Stampa

domingo, 25 de abril de 2010


A VOCÊ, COM AMOR

O amor é o murmúrio da terra
quando as estrelas se apagam
e os ventos da aurora vagam
no nascimento do dia...
O ridente abandono,
a rútila alegria
dos lábios, da fonte
e da onda que arremete
do mar...

O amor é a memória
que o tempo não mata,
a canção bem-amada
feliz e absurda...

E a música inaudível...

O silêncio que treme
e parece ocupar
o coração que freme
quando a melodia
do canto de um pássaro
parece ficar...

O amor é Deus em plenitude
a infinita medida
das dádivas que vêm
com o sol e com a chuva
seja na montanha
seja na planura
a chuva que corre
e o tesouro armazenado
no fim do arco-íris.

Vinicius de Moraes

sábado, 24 de abril de 2010

ONDE ESTÁ A MAGIA?

A magia está no ar...
Está nos olhos do menino
Está na beleza da rosa
No canto do passarinho
Numa amizade carinhosa

A magia...
Está no sorriso da mulher
Está no abraço do amigo
No encanto da criança
A magia está contigo
Está na sua esperança

A magia está no mar
Nas ondas que vão e vêm
Na chuva que molha a terra
No sal do alimento também...

Nos versos da poesia
Nas notas da canção
Na luz de mais um dia
Num sincero aperto de mão!

Está em acordar todos os dias
E viver a vida com paixão.
Encha de magia o seu coração!



Sirlei L. Passolongo

sexta-feira, 23 de abril de 2010

RIMO E RIMOS

Passarinho parnasiano,
nunca rimo tanto como faz.
Rimo logo ando com quando,
mirando menos com mais.
Rimo, rimo, miras, rimos,
como se todos rimássemos,
como se todos nós ríssemos,
se amar fosse fácil.
Perguntarem por que rimo tanto,
responder que rima é coisa rara.
O raro, rarefeitamente, pára,
como pára, sem raiva, qualquer canto.
Rimar é parar, parar para ver e escutar
remexer lá no fundo do búzio
aquele murmúrio inconcluso,
Pompéia, idéia, Vesúvio,
o mar que só fala do amor.
Vida, coisa pra ser dita,
como é dita esse fado que me mata.
Mal o digo e já meu dito se conflita
com toda a cisma que, maldita, me maltrata.

Paulo Leminski

quinta-feira, 22 de abril de 2010

AFAGO

Nunca se diz em proporções
a razão de um amor,
não há métrica,
lógica ou dissonâncias,
num canto melódico que gira no ar,
quando nos braços se entraga ao afago.
Sinta que no ato de amar dois pontos convergem:
Um esperando pelo destino o outro já sonhava com ele.


Pedro Miller
DAS ROSAS...

Brindemos, todas as manhãs,
meu amor, com um tilintar de rosas,
ora brancas, ora carmim,
ora singelamente rosa.
Que símbolos melhor alinhavados
Para o bordado do amor
Poderia no mundo haver
Que os motivos da rosa:
Cor em choque, rubros beijos,
Alvos, raros pássaros
Que às vezes pousam em meu jardim.
Que outras formas mais completamente
Revelariam o que sentimos, este amor
Em cores tantas, em múltiplas instâncias:
Rosa dos ventos em caprichos de lua
Ora a negar-nos, ora a nos conceder
Por inteiro o seu perfume, a sua face.
Brindemos, pois, amantes,
Com o mais fino licor das rosas,
Tão finitas & sempre vivas,
Tão óbvias & super novas,
Tão dolorosamente espinho
E ainda amorosamente rosas:
Eis o amor
Em sua mais irretocável metáfora –
O resto são prosas.


© Fernando Campanella

quarta-feira, 21 de abril de 2010

POR SEMPRE TE AMAR

Por vezes, distraio-me
E teu nome toma-me,
vem à tona
É quando repleta de ternuras
Repouso a solidão das minhas mãos
Em letras que conspiram saudades

Que fazer desta inquietude do sentir
Que aporta sempre em teus horizontes
Quando teus olhos sequer sabem de mim?
Meu coração comete atos que já não ouso
Parece dado aos desatinos e desvarios

Não me alcança o tempo do esquecer-te
Em ti descobre-se o meu sonho pelo mundo
Dispensando os ponteiros da razão.
No sopro das minhas lembranças
Chamo-te infinito,
outra vezes eternidade.

Fernanda Guimarães

domingo, 18 de abril de 2010

A PAZ SEM VENCEDOR E SEM VENCIDOS

Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Que o tempo que nos deste seja um novo
Recomeço de esperança e de justiça.
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Erguei o nosso ser à transparência
Para podermos ler melhor a vida
Para entendermos vosso mandamento
Para que venha a nós o vosso reino
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Fazei Senhor que a paz seja de todos
Dai-nos a paz que nasce da verdade
Dai-nos a paz que nasce da justiça
Dai-nos a paz chamada liberdade
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos


Sophia de Mello Breyner Andresen
in 'Dual' (1972)
MOMENTO

Oh! A resignação das coisas paradas,
grávidas de silencio, reverentes,
em sua geometria sem jactância!


A placidez das ruas acolchoadas
contra a dura cintilação do dia;
o recato das arvores, a prece
das esquadrias de alumínio ionizado
na fachada do edifício em frente!


Todas as coisas – em clausura – cumprem votos,
enquanto a vã filosofia do século
pensa que move o mundo.

Rio, 9/9/87


Hélio Pellegrino
In: Minérios Domados

quinta-feira, 15 de abril de 2010


CANÇÃO DE ENGANAR A TRISTEZA

Se a tristeza um dia
Te encontrar triste sozinho
Trata bem dela
Porque a tristeza quer carinho
E fala sobre a beleza
Com tanta delicadeza
Por não ter nenhum carinho
Que ela só existe
Por não ter nenhum carinho
E dá-lhe um amor tão lindo
Que quando ela se for indo
Ela vá contente
De ter tido o teu carinho

Vinícius de Moraes

quarta-feira, 14 de abril de 2010

UM SUSPIRO DE AMOR...

É no aconchego
dos seus braços,
que a paz me toma...
E m’alma suspira,
para dizer que te ama.

Valquíria Cordeiro

segunda-feira, 12 de abril de 2010

DIZ-ME...

De onde vem esse amor,
De onde vem essa
Busca insaciável do meu
Melhor Eu,
Do meu mais puro
Sentimento...

Em que momento houve
A permissão para essa
Abordagem em meu coração
Com as esperanças
Que já o habitavam e tão
Agora possuem seu nome...

Como foi mesmo
Esse encontro de destinos,
Onde somente
Dois caminhos cruzaram-se
entregando
Em nossas vidas
As carências, as solidões e
Os desesperos
Por tantas ausências?...

De onde vem esse amor que
Tem voz, que grita sua força
Sem medir distâncias...
Diz-me porque tanto
Amor assim em tudo de Você
E em tudo do que sou...

Cida Luz

sexta-feira, 9 de abril de 2010

É SEMPRE POSSÍVEL...


É sempre possível reinventar uma história
para nós próprios,
um caminho desobediente, um grito de ontem,
um delírio figurando um cântico.

A nossa condição de passageiros
é a exacta norma do sonho,
o devaneio fantasmagórico dum réptil
embasbacado ao sol, inocente das noções de tempo,
passado e futuro, a história
que podemos ler nos olhos dos outros,
ou nas infinitas divagações do vento.

Fantasiemos, pois, um caminho tardo e lesto
de imaginárias flores num deserto
para a nossa sede sem recurso,
a não ser a possível ciência de inventar
outro azul para os olhos dos vindouros
nossos filhos.

Vieira Calado
In "Por detrás das Palavras"
Rio Branco-Acre


TANTAS FLORES

Tantas flores quietas
suspensas desde o tempo ido...!

Aguardam o indefinido,
através horas inquietas,
através horas sem sentido...


E sofrem de agudas setas...


O vago ramo prometido!



Saúl Dias
In: Obra Poética
Sangue (1952)

quarta-feira, 7 de abril de 2010

MEU AMOR!

Quem foi que disse ou te falou
Que meu amor já se acabou...
É como chuva de verão
Transborda rio e ribeirão...
Não tem parada
E nem morada...
Mas só pasta onde há flor
Afinal é o amor...
Não chega atrasado
Nunca é cansado...
Não tem freio ou direção
Nasce de toda paixão...
Não acabou e nem vai
Não é fruta que cai...
É tatuagem
É estigma, mensagem...
É mais que um poema
É em mim lema...
Um elo de ligação
De meu peito em tua mão!

SANTAROZA

domingo, 4 de abril de 2010


NENHUMA VIDA É ESFÉRICA...

Nenhuma vida é esférica
Salvo as pequenas –
Essas – se mostram de uma vez
E vão-se às pressas –
As grandes – crescem devagar
E caem aos poucos –
Os verões das Hespérides
São longos.


Emily Dickinson
In: Alguns Poemas
Tradução: José Lira

sexta-feira, 2 de abril de 2010

(...)

Feliz a criatura que tem por guia e emblema uma estrela. Por isso é que o Botafogo está sempre no caminho certo. O caminho da luz. Feliz o clube que tem por escudo uma invenção de DEUS.

Armando Nogueira
1927-2010

quinta-feira, 1 de abril de 2010

DESEJO

Ah! que eu não morra sem provar, ao menos
Sequer por um instante, nesta vida
Amor igual ao meu!
Dá, Senhor Deus, que eu sobre a terra encontre
Um anjo, uma mulher, uma obra tua,
Que sinta o meu sentir;

Uma alma que me entenda, irmã da minha,
Que escute o meu silêncio, que me siga
Dos ares na amplidão!
Que em laço estreito unidas, juntas, presas,
Deixando a terra e o lodo, aos céus remontem
Num êxtase de amor!
 
Gonçalves Dias