segunda-feira, 31 de maio de 2010


FELICIDADE

Se ele pudesse,
chamaria todas as árvores e todos os pássaros
para que o ouvissem,
conversaria com o Dia e conversaria com a Noite,
e casaria o Sol com a Terra,
e pediria ao mar suas espumas
ao espaço as suas brumas,
às árvores suas flores
ao céu as suas estrelas
para tecer o imenso véu...

E pediria ao mundo um pouco de silêncio
e pediria ao céu que descesse um pouquinho
do céu...


JG de Araujo Jorge
In: "Amo!"

domingo, 30 de maio de 2010


UM BREVE OLHAR

Lá em cima, no ar
Sobre a monotonia destas casas
Sulcando, sereníssimas, os céus,
Abrem a larga rima das suas asas,
Lenços brancos do azul, dizendo adeus
Ao vento e ao mar.

Eu fico a vê-las
E meus olhos, de as verem, vão partindo
E fugindo com elas;
E a segui-las eu penso,
Enquanto o olhar no azul se espraia e prega,
Que há uma graça, que há um sonho imenso
Em tudo o que flutua e que navega…

Para onde se desterram as gaivotas,
Contra o vento vogando, altas e belas,
Essas voantes e pairantes frotas,
Essas vivas e alvas caravelas?

Vão para longe… E lá desaparecem,
Ao largo, por detrás do monte;
E os nossos olhos olham e entristecem
Com as vagas saudades que merecem
As coisas que se somem no horizonte!


Afonso Lopes Vieira
In "Canção do Vento"
(Leiria, 26 de janeiro de 1878 - Lisboa, 1946)

sábado, 29 de maio de 2010


O VENTO

Na palma do vento
pouso a fronte. Nele confio.
A quem confiaria senão a ele
este rude labor?


Abandono-me à tormenta
(lumes mastros
gaivotas do mar próximo).


Enreda-me a noite.
Mas dele são os dedos leves
que me fecham os olhos. E é manhã.


Dora Ferreira da Silva
In: Poesia Reunida
Jardins (esconderijos) 1979

sexta-feira, 28 de maio de 2010


O CORAÇÃO E O MAR

A Pepe Rumeu de Armas

Senhor, já estamos sós meu coração e o mar.
Antonio Machado


1. Escreve o mar

Até a folha em que escrevo chega o mar
com seu pulsar cheio de naufrágios
como meu coração.

E na folha, da mesma forma que na areia,
escreve seu segredo trêmulo
e sua canção.

Banha de nácar e cristal meu sonho
diurno e, se calo, escreve em meu silêncio
seu coração.

(Como em outro planeta canta um pássaro.
Quase humana, respira a manhã
de jasmim e limão.

Talvez sonhada ou recordada voa
como uma ferida azul a mariposa
com sua ilusão).

Em uma onda vem todo o mar
e ao pé deste poema se desfaz
como uma rosa que cantara.

Onde é mais só o mar
e mais largo e mais fundo e terno e feroz
é no meu coração.

Eduardo Carranza

quinta-feira, 27 de maio de 2010

UM OLHAR

Se um dia passares pela nascente de um rio
visita a minha sombra húmida,
indiferente à inquietação das árvores
carregadas da memória do vento.
Pára e inclina sobre ela um olhar tão cúmplice
como quem, com lentíssimas mãos,
pressente o apelo dos lábios.


Graça Pires
De Conjugar afectos, 1997

quarta-feira, 26 de maio de 2010

VIII

Ontem, sentado num penhasco, e perto
Dos águas, então quedas, do oceano,
Eu também o louvei sem ser um justo:
E meditei, e a mente extasiada
Deixei correr pela amplidão das ondas.

Como abraço materno era suave
A aragem fresca do cair das trevas.
Enquanto, envolta em glória, a clara Lua
Sumia em seu fulgor milhões d'estrelas.

Tudo calado estava: o mar somente
As harmonias da criação soltava,
Em seu rugido; e o ulmeiro do deserto
Se agitava, gemendo e murmurando.
Ante o sopro de oeste: ali dos olhos
O pranto me correu, sem que o sentisse.
E aos pés de Deus se derramou minha alma.


Alexandre Herculano,
em A Harpa do Crente

terça-feira, 25 de maio de 2010

CONVITE AO AMOR

Vamos voar para bem longe?...
A procura de um lindo jardim...
E pousar onde o sol se esconde,
num entardecer rubro/carmim.

Vamos juntos, viver esse amor?...
De um jeito único e sem fim...
Sem permitir nenhuma dor,
eu cuido de você e você de mim.

Assim chegaremos ao paraíso
e sem temer a nenhum perigo,
encontraremos a felicidade...

E voaremos, livres e soltos...
Sendo enfim, um do outro
e felizes de verdade. 

Valquíria Cordeiro


segunda-feira, 24 de maio de 2010

PLATÔNICO

E pisavas a beira da praia
Bem onde o mar te beijava os pés
Numa reverencia á tua majestade.

De onde me encontrava era o paraíso
Com um de seus anjos a passear
Busto nu e olhar mergulhado no mar.

A tua cadencia marcava a areia
E tuas marcas escreviam poesias
Teus pés desenhavam estradas.

Estradas que eu queria seguir
Olhos fitos em teus contornos
Perdido que estou por tua beleza.

Parecendo adivinhar sorris
Não sei se para mim ou de mim
Embora saibas a tortura que me és.

Insistis em ser paisagem e meus poemas
Pois sabeis que de ti eu sou devoto
E não te nego a partitura dessa rima.

Santaroza

domingo, 23 de maio de 2010

SENTIMENTO NOBRE

O mesmo amor que tece as manhãs,
colocou-te na minha vida e coração
e uniu nossas almas gêmeas/irmãs,
num rito de amizade, amor e paixão.

E eu serei grata a esse sublime amor,
que fez-se transbordar em gratidão,
curando a m’alma de todo dissabor
e amparando-me na palma da mão.

E mesmo que da minha larga janela,
eu não consiga ver o céu inteiro...
Eu fico a sondar a nossa estrela.

Contemplando esse pedaço do céu,
que descortina-se sem puder e véu,
como se fosse uma grande passarela. 

Valquíria Cordeiro

sábado, 22 de maio de 2010



UM MITTERNACHT

Gelassen Sting die Nacht ans Land,
Lehnt träumend an der Berge Wand,
Ihr Auge sieht die goldne Waage nun
Der Zeit in gleichen Schalen stille ruhn;
Und kecker rauschen die Quellen hervor,
Sie singen der Mutter, der Nacht, ins Ohr
Vom Tage,
Vom heute gewessen Tage.

Das uralt alte Schlummerlied,
Sie Achtets nicht, sie ist es müd;
Ihr klingt des Himmels Bläue süsser noch,
Der flüchtgen Stunden gleicheschwungnes Joch.
Doch immer behalten die Quellen das Wort,
Es singen die Wasser im Schlafe noch fort
Vom Tage,
Vom heute gewesenen Tage.

Eduard Friedrich Mörike
(1804 -1875 - Germany)


À Meia-noite

Serena desceu a noite sobre a terra,
encostou-se sonhadora na montanha;
seu olhar vê agora a balança de ouro
do tempo descansar calma em pratos iguais
e as fontes cantam seus receios
aos ouvidos da mãe, da noite,
sobre o dia
o dia passado de hoje.

O tão antigo acalento
a noite não percebe, está cansada;
o azul do céu repete mais doce,
o jugo igualmente distribuído das horas fugidias.
Entretanto a palavra, as fontes a conservam
e as águas cantam-na em sono
sobre o dia,
o dia passado de hoje.

Eduard Friedrich Mörike

sexta-feira, 21 de maio de 2010

ORGULHO E RENÚNCIA...

Não penses que a mentira me consola:
parte em silêncio, será bem melhor...
Se tudo terminou, a tua esmola
meu sofrimento ainda fará maior...

Não te condeno nem te recrimino,
ninguém tem culpa do que aconteceu...
Nem posso contrariar o meu destino
nem tu podias contrariar o teu !

Sofro, que importa? mas não te censuro,
o inevitável quando chega é assim,
- se esse amor não devia ter futuro
foi bem melhor precipitar seu fim...

Não te condeno nem te recrimino,
tinha que ser! Tudo passou, morreu!
Cada qual traz do berço o seu destino
e esse afinal, bem doloroso, é o meu!

Estranho, é que a afeição quando se acabe
traga inútil consolo ao nosso fim
quando penso, que ainda ontem, - quem o sabe?
tenhas sentido algum amor por mim...

Não procures mentir... Compreendo tudo.
Tudo por si justificado está:
- não tens culpa se te amo... se me iludo,
se a vida para mim é que foi má...

Vês? Meus olhos, chorando, estão contentes
Não fales nada. Vai ! Ninguém te obriga
a dizeres aquilo que não sentes,
nem eu preciso disto minha amiga...

Parte. E que nunca alguém sofrer te faça
o que sofri com o teu ingênuo amor;
-pensa que tudo morre, tudo passa,
que hei de esquecer-te, seja como for...

Pensa que tudo foi uma tolice...
Só mais tarde, bem sei, - compreenderás
as palavras de dor que não te disse
e outras, de amor... que não direi jamais !


(1938)

J. G. de Araujo Jorge

quinta-feira, 20 de maio de 2010

(...)

O amor nos faz aprender,e eu aprendi amando você.
Você é meu tudo. Te quero como nunca imaginei.
Você fez meu coração se tornar seu...

João Marcelo Santoro Soccere

quarta-feira, 19 de maio de 2010


A ESPERANÇA VIVE

Das cinzas do que já se foi
A Esperança não morreu
Dos sonhos que não se cumpriram
A Esperança não morreu
Do fim que parece ter chegado de vez
A esperança vive, a esperança, a esperança não morre jamais
A esperança vive, a esperança, a esperança não morre jamais
A esperança vive, a esperança, a esperança não morre jamais
Tua casa vai ser conhecida como uma fonte de milagres
Essa causa impossivel a de ser um testemunho do poder de Deus sobre voçê
Estes poços estes vales vão voltar a transbordar
Volte a crer volte a sonhar
Volte a crer volte a sonhar
Volte a crer volte a sonhar
Os sonhos de Deus

Ludmila Ferber

terça-feira, 18 de maio de 2010

EXALTAÇÃO

Venha!
Venha uma pura alegria
Que não tenha
Nem a senha
Nem o dia!

Abra-se a porta da vida
Sem se perguntar quem é!
E cada qual que decida
Se quer a alma aquecida
No lime da nova fé.

Venha!
Venha um sol que ninguém tenha
No seu coração gelado!
Venha
Uma fogueira de lenha
De todo o tempo passado!


Miguel Torga

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Autumn Day

Lord, it is time now,
for the summer has gone on
and gone on.
Lay your shadow along the sun-
dials and in the field
let the great wind blow free.
Command the last fruit
be ripe:
let it bow down the vine --
with perhaps two sun-warm days
more to force the last
sweetness in the heavy wine.

He who has no home
will not build one now.
He who is alone
will stay long
alone, will wake up,
read, write long letters,

and walk in the streets,
walk by in the
streets when the leaves blow.

Translated by John Logan,
"Homage to Rainer Maria Rilke,"


Dia de outono

Senhor, foi um verão imenso: é hora.
Estende as tuas sombras nos relógios
de sol e solta os ventos prado afora.

Instiga a sazonarem, com dois dias
a mais de sul, as frutas que, tardias,
conduzes rumo à plenitude, e apura,
no vinho denso, a última doçura.

Quem não tem lar já não terá; quem mora
sozinho há de velar e ler sozinho,
escrever longas cartas e, a caminho
de nada, há de trilhar ruas agora,
enquanto as folhas caem em torvelinho

Rainer Maria Rilke
Tradução:Nelson Ascher

domingo, 16 de maio de 2010

ALGUÉM ME DISSE


Alguém me disse, um dia, que as aves
marinhas vão morrer (ou repousar)
no solitário coração dos barcos afundados.
Que sugestão de luz lhes indica
o inevitável caminho das águas mais azuis?


Graça Pires
De O silêncio: lugar habitado, 2009

sábado, 15 de maio de 2010


O HOMEM DA NEVE

É preciso uma mente de inverno
Para olhar a geada e os ramos
Dos pinheiros cobertos pela nevada

E há muito tempo fazer frio
Para observar os zimbros arrepiados de gelo,
Os abetos ásperos no brilho distante

Do sol de janeiro; e não pensar
Em qualquer miséria no som do vento,
No som de umas poucas folhas

Que é o som da terra
Cheia do mesmo vento
Que sopra no mesmo lugar vazio

Para alguém que escuta, escuta na neve,
E, ausente, observa
Nada que não está lá e o nada que é.


Wallace Stevens
Tradução de Paulo Venâncio Filho


The snow man

One must have a mind of winter
To regard the frost and the boughs
Of the pine-trees crusted with snow;

And have been cold a long time
To behold the junipers shagged with ice,
The spruces rough in the distant glitter

Of the January sun; and not to think
Of any misery in the sound of the wind,
In the sound of a few leaves,

Which is the sound of the land
Full of the same wind
That is blowing in the same bare place
For the listener, who listens in the snow,
And, nothing himself, beholds
Nothing that is not there and the nothing that is.

Wallace Stevens

sexta-feira, 14 de maio de 2010

AS DELÍCIAS DO AMOR

As delícias de um grande amor,
vai muito além do doce beijo e
do encontro de dois corpos
imaculados de desejo

esta no encontro de olhares
no flertar malicioso que aos
poucos evidenciam os pares
e na resposta do singelo riso

As delícias de um grande amor
esta na loucura de não ter juízo
e na liberdade de correr riscos...
De correr riscos por amor.

Valquíria Cordeiro

quinta-feira, 13 de maio de 2010

SERENIDADE

Há muito tempo, Vida, prometeste
trazer ao meu caminho uma doida alegria
feita de espírito e de chama,
uma alegria transbordante, assim como esse
alvo clarão que se irradia
da orla festiva das enseadas,
e entre reflexos de ouro se derrama
do cântaro das madrugadas.


Eu, que nasci para um destino manso
de coisas suaves, silenciosas, imprecisas,
e que fico tão bem neste obscuro remanso
onde apenas se infiltra um perfume de brisas,
imagino a tremer: que seria de mim
se essa alegria
esplêndida, algum dia,
houvesse surpreendido a minha inexperiência!…


A vida me iludiu, mas foi sábia na essência.


Minha alegria deveria ser assim:
Pequenina doçura delicada,
gota de orvalho em pétala de flor,
sempre serena lâmpada velada
que me diluísse as brumas do interior.


Sempre serena lâmpada velada,
símbolo do meu sonho predileto…
Se amanhã tu penderes do meu teto
aureolando minha última ilusão,
- para que eu viva em teu amor e em tua paz,
deixa um rastro de sombra pelo chão…
É nesta sombra que hei de me esconder
quando sentir a falta que me faz
a outra alegria que não pude ter!


Henriqueta Lisboa

quarta-feira, 12 de maio de 2010

COMO EU TE AMO

És meu tudo
És meu Senhor
És meu amigo, meu intercessor

Meu braço forte
Meu conselheiro
Maravilhoso
Meu 'Grande Eu Sou'

Eu não sou nada sem Ti
Eu não vivo sem Ti
Sem Tua presença eu morro

Como eu Te amo
Como eu Te quero
Sim eu me prostro aos Teus pés
A minha vida eu Te consagro
Tudo o que tenho é totalmente Teu

Tudo o que sou é totalmente Teu

Eu Te amo!

Fernandinho
VERSOS


Os versos em revoada
Faz no coração a pousada.
Tira a dor e a tristeza.
Mostra o amor como fonte de fortaleza!

Versos e belas rimas
No peito eleva a estima.
Converte em canção;
Uma feliz satisfação!

Versos que nascem e inspiram poesias
No amanhecer ou entardecer do dia.
Percorre e anuncia a felicidade.
Para ser do amor a realidade!

Versos que mandam sonhar
Viver e os realizar.
Pede fé e paciência;
E uma pacífica vivencia!

Versos declamados
Aplaude o êxito conquistado.
Coloca o amor em primeiro plano.
É o assunto do cotidiano!

Versos de paixão
Dança no coração;
De mãos dadas com a emoção... Infinita.
É o complemento que o amor possibilita!

Hortência Lopes

terça-feira, 11 de maio de 2010


QUISERA...

Quisera te encontrar na primavera
num crepúsculo casual feito quimera
e seguir de mãos dadas pelos campos,
evocando perto e longe os pirilampos.

Sorver as sensações doces e quentes
que percorrem a alma, corpo e mente,
quando a paixão explode em tarde calma
colher o fruto que nasceu da palma.

Quisera te seguir nas tardes tortas,
abrir janelas e fechar as portas,
quando o verão acende os poros, confiante,
e ser tua gueixa, concubina, eterna amante.

Secar tuas lágrimas com a luz do luar,
ser o teu fogo até o inverno passar,
tocar a harpa, se te sentir triste
e descobrir que o outono não existe.

Quisera viver contigo toda a vida
com a simplicidade complicada e esquecida
dos amantes que valsaram à luz do dia
sobre as rimas e o encanto da poesia.

Basilina Pereira

segunda-feira, 10 de maio de 2010

QUERIA!

Queria olhar em teus olhos e te ver

Como uma amiga e grande companheira
Alguém com que dividisse horas inteiras
Sem parar em seu olhar e ficar a me ver.

Queria estar com você e não ter pensamentos
De querer-te, reprimindo assim, meus desejos
Não buscar seus lábios e almejar seus beijos
Mas, não contenho os impulsos do sentimento.

Queria ter por ti admiração de amigo
Para viver uma linda amizade contigo
Me sentindo livre ao estar ao seu lado.

Queria! Apenas queria, pois não é possível
Meu coração traiu-me e mesmo escondendo
Este amor para o coração me rendo.

Ataíde Lemos

TE QUERO

Tuas mãos são minha carícia
Meus acordes cotidianos
Te quero porque tuas mãos
Trabalham pela justiça


Se te quero é porque tu és
Meu amor, meu cúmplice e tudo
E na rua lado a lado
Somos muito mais que dois


Teus olhos são meu conjuro
Contra a má jornada
Te quero por teu olhar
Que olha e semeia futuro


Tua boca que é tua e minha
Tua boca não se equivoca
Te quero porque tua boca
Sabe gritar rebeldia


Se te quero é porque tu és
Meu amor, meu cúmplice e tudo
E na rua lado a lado
Somos muito mais que dois


E por teu rosto sincero
E teu passo vagabundo
E teu pranto pelo mundo
Porque és povo te quero


E porque o amor não é auréola
Nem cândida moral
E porque somos casal
Que sabe que não está só


Te quero em meu paraíso
E dizer que em meu país
As pessoas vivem felizes
Embora não tenham permissão


Se te quero é porque tu és
Meu amor, meu cúmplice e tudo
E na rua lado a lado
Somos muito mais que dois.


Mario Benedetti

domingo, 9 de maio de 2010


" Dia das Mães "



Mãe! eu volto a te ver na antiga sala
onde uma noite te deixei sem fala
dizendo adeus como quem vai morrer.
E me viste sumir pela neblina,
porque a sina das mães é esta sina:
amar, cuidar, criar, depois... perder.

Perder o filho é como achar a morte.
Perder o filho quando, grande e forte,
já podia ampará-la e compensá-la.
Mas nesse instante uma mulher bonita,
sorrindo, o rouba, e a avelha mãe aflita
ainda se volta para abençoá-la

Assim parti, e nos abençoaste.
Fui esquecer o bem que me ensinaste,
fui para o mundo me deseducar.
E tu ficaste num silêncio frio,
olhando o leito que eu deixei vazio,
cantando uma cantiga de ninar.

Hoje volto coberto de poeira
e ten encontro quietinha na cadeira,
a cabeça pendida sobre o peito.
Quero beijar-te a fronte, e não me atrevo.
Quero acordar-te, mas não sei se devo,
não sinto que me caiba este direito.

O direito de dar-te este desgosto,
de te mostrar nas rugas do meu rosto
toda a miséria que me aconteceu.
E quando vires e expressão horrível
da minha máscara irreconhecível,
minha voz rouca murmurar:''Sou eu!"

Eu bebi na taberna dos cretinos,
eu brandi o punhal dos assassinos,
eu andei pelo braço dos canalhas.
Eu fui jogral em todas as comédias,
eu fui vilão em todas as tragédias,
eu fui covarde em todas as batalhas.

Eu te esqueci: as mães são esquecidas.
Vivi a vida, vivi muitas vidas,
e só agora, quando chego ao fim,
traído pela última esperança,
e só agora quando a dor me alcança
lembro quem nunca se esqueceu de mim.

Não! Eu devo voltar, ser esquecido.
Mas que foi? De repente ouço um ruído;
a cadeira rangeu; é tade agora!
Minha mãe se levanta abrindo os braços
e, me envolvendo num milhão de abraços,
rendendo graçs, diz:"Meu filho!", e chora.

E chora e treme como fala e ri,
e parece que Deus entrou aqui,
em vez de o último dos condenados.
E o seu pranto rolando em minha face
quase é como se o Céu me perdoasse,
me limpasse de todos os pecados.

Mãe! Nos teus braços eu me transfiguro.
Lembro que fui criança, que fui puro.
Sim, tenho mãe! E esta ventura é tanta
que eu compreendo o que significa:
o filho é pobre, mas a mãe é rica!
O filho é homem, mas a mãe é santa!

Santa que eu fiz envelhecer sofrendo,
mas que me beija como agradecendo
toda a dor que por mim lhe foi causada.
Dos mundos onde andei nada te trouxe,
mas tu me olhas num olhar tão doce
que , nada tendo, não te falta nada.

Dia das Mães! É o dia da bondade
maior que todo o mal da humanidade
purificada num amor fecundo.
Por mais que o homem seja um mesquinho,
enquanto a Mãe cantar junto a um bercinho
cantará a esperança para o mundo!


( Antologia da Nova Poesia Brasileira
J.G . de Araujo Jorge - 1a ed. 1948 )